O 9º. Bate-papo Inclusivo e Sustentável da SIS marcou o lançamento do estudo “Recomendações para fortalecimento da consideração de questões climáticas e socioambientais na regulação brasileira”, publicado pela entidade. Ele toma como partida as regulações já existentes sobre o assunto no Brasil, expedidas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central desde 2008 (para o crédito rural) e desde 2014 para as operações de crédito e investimentos em geral, com uma grande ampliação em 2021. E considera também o estágio atual do mercado bancário brasileiro nessa matéria, com base na avaliação feita utilizando a metodologia do RASA – Ranking da Atuação Socioambiental de instituições financeiras, e que avaliou grandes bancos brasileiros no fim de 2022. Além disso, foram analisadas as regulações ou diretrizes de Bancos Centrais e reguladores bancários de 26 países, e também aquelas do Banco Central europeu, para verificar em que medida alguns dos temas nelas tratados fariam sentido na realidade brasileira.
Por ser realizado logo no início da Semana da Mulher, em 6 de março, a autora do estudo, Luciane Moessa, convidou apenas debatedoras mulheres: Fátima Tosini, Analista aposentada do Banco Central, que atuou com o tema da Sustentabilidade no setor bancário tanto no BC quanto em suas pesquisas de Mestrado e Doutorado na UNICAMP; Rebeca Lima, que é Engenheira Florestal (USP) com Mestrado em Economia e Finanças (FGV), e Diretora Executiva do CDP na América Latina; e Teresa Liporace, que é Engenheira Química, com Mestrado em Engenharia de Produção (ambos na UFRJ), e Diretora de Programas do Instituto Clima e Sociedade.
Luciane Moessa, que, além de Diretora Executiva e Técnica da SIS, foi Procuradora do BC por 9 anos e desenvolveu pesquisa pós-doutoral sobre Sistema Financeiro e Desenvolvimento Sustentável, vem trabalhando com o tema desde 2014, acompanhando em nível global e contribuindo com o avanço da regulação nesse tema no Brasil. Ela iniciou sua apresentação explicando como o BC ampliou a sua abordagem com as novas normas editadas em 2021, muito mais claras do que a de 2014, e com uma explicação muito mais clara do que são riscos socioambientais, a incorporação de temas climáticas, da agenda positiva e alguns passos adiante no que se refere à gestão de riscos (o tema foi abordado no 5º. BIS). Entretanto, ela explicou que a regulação ainda possui várias lacunas relevantes, que se refletem na realidade do mercado bancário, como foi apurado pelo RASA. Assim, ela apresentou as nove recomendações do estudo, sendo que as oito primeiras já constam das regulações de diversos outros países:
1. Definição clara do universo de transações (crédito e investimentos) a serem avaliadas quanto ao risco socioambiental:
Atualmente, a regulação não define isso e a maioria das instituições financeiras (IFs) adota critérios baseados no risco financeiro da transação individual (considerando valor da transação ou porte da empresa), não no nível de risco socioambiental, o que deixa de fora impactos agregados de um grande conjunto de operações. Além disso, ela defendeu que a regulação financeira deve estar alinhada a políticas públicas socioambientais e climáticas.
2. Definição clara de bases de dados mínimas a serem consultadas e diligências mínimas a serem realizadas para cada tema socioambiental
Ela exemplificou que a identificação de riscos socioambientais e climáticas é o alicerce da gestão de riscos dessa natureza, mas que, na prática, muitos bancos mencionam temas em suas Políticas, porém não consultam as bases de dados correspondentes. Ainda, afirmou que maioria das IFs nem sequer consulta a existência de licenciamento ambiental vigente para empresas que operam em setores cuja atividade requer licença. Explicou que, dentre as mais de 40 bases de dados (a maioria públicas) e diligências básicas que estão ao alcance das IFs para uma avaliação consistente de risco socioambiental, a maioria das IFs consulta entre 15 a 20% delas para crédito, ressalvadas operações de Project Finance (um percentual muito baixo da carteira de crédito) e muito menos ainda para investimentos.
3. Exigência da consideração de indicadores-chave de desempenho específicos por setor econômico e da avaliação da cadeia de valor
Ela esclareceu que os riscos climáticos e socioambientais de cada setor econômico são muito diferentes entre si e que a regulação deveria trazer os indicadores-chave específicos para os setores mais relevantes da economia brasileira, inclusive mencionando quais deles se referem à cadeia de valor (como no caso das vinícolas do RS, em que o trabalho análogo ao escravo vinha da cadeia de fornecedores).
4. Previsão de consequências da avaliação de riscos climáticos e socioambientais (sobretudo mitigação) e sua divulgação
Ela explica que a avaliação de riscos dessa natureza precisa se refletir na acessibilidade e nos custos de acesso a capital, bem como devem ser adotadas estratégias de mitigação de riscos inclusive como primeira alternativa antes de negar esse acesso, dando oportunidade às empresa para que melhorem seu desempenho socioambiental.
5. Previsão de critérios para definir a frequência, abrangência e profundidade do monitoramento, suas consequências e divulgação de informações a respeito
Ela defendeu que a existência de riscos socioambientais e climáticos é dinâmica e é preciso ter critérios consistentes para acompanhar, baseados nos riscos do setor, da localização e da empresa que recebe o crédito ou o empreendimento.
6. Exigências de divulgação em nível de portfólio de crédito e de investimentos
Ela explicou que atualmente os bancos divulgam pouquíssimas informações que permitam avaliar o grau de risco climático e socioambiental em suas carteiras – considerando-se setores econômicos, localização e grau de risco das empresas financiadas ou investidas.
7. Definição de metas em nível de portfólio e integração de fatores socioambientais e climáticos na remuneração de tomadores de decisão
O estudo propõe ainda que a regulação mencione a necessidade de que a gestão de riscos e oportunidades climáticas e socioambientais integre a remuneração variável da gestão superior dos bancos, de modo a evitar a visão de curto prazo, que é inimiga da sustentabilidade.
8. Exigência de divulgação de temas-chave de governança
As recomendações abrangem basicamente a necessidade de verificar se as equipes de sustentabilidade contam com a dimensão, qualificação técnica e orçamento adequados para dar conta de suas responsabilidades.
9. Crédito rural: distinção entre níveis de risco socioambiental e geração de benefícios socioambientais, expansão de considerações ambientais para além do bioma Amazônia e consideração de todas as bases de dados sobre desmatamento ilegal
Apesar de ressaltar que a regulação do crédito rural já tem muito mais clareza do que a aplicável às demais operações, ela ressaltou que existem algumas falhas importantes (sobretudo no que diz respeito à ausência de menção a outros biomas brasileiros e à necessidade de consulta a embargos de órgãos ambientais estaduais). Explicou ainda que a proposta do BC de considerar mero cumprimento de regulações socioambientais como suficiente para ser considerado “crédito verde” representa um equívoco técnico.
Para ver os slides utilizados por Luciane, clique aqui.
Teresa Liporace enfatizou a urgência da crise climática e para isso, ressaltou quatro prioridades: a) estabelecer uma gestão eficiente dos riscos climáticos; b) redirecionar o capital para a economia de baixo carbono, por meio da promoção da transição na indústria (ex: uso de novas tecnologias como hidrogênio verde e da biomassa como fontes de energia; aumento de eficiência energética, automação) e do apoio à agricultura e pecuária sustentáveis e desestímulo a atividades que tenham relação com o desmatamento ilegal; c) promover a inovação; e d) reforçar a transparência e integridade do mercado. Para atingir esses objetivos, ela recomenda: 1) fiscalização robusta, transparente e participativa do setor financeiro; 2) que os bancos assumam compromisso genuíno com Net Zero, inclusive contribuindo para a descarbonização das cadeias produtivas, e que tenham diretrizes mais claras para o financiamento e investimento incorporando essas variáveis; e 3) o estabelecimento de metas individuais e sistêmicas no setor financeiro, que incluam alinhamento com a NDC (Acordo de Paris) e compromissos para 2030 e 2050. Para ver os slides utilizados por Teresa, clique aqui.
Rebeca Lima analisou cada uma das nove recomendações propostas e demonstrou concordância com cada uma delas, sobretudo no que diz respeito a transparência, pois atualmente as instituições financeiras, na prática, não relatam sobre informações-chave (como universo de transações avaliadas, bases de dados socioambientais consultadas, frequência do monitoramento, governança da sustentabilidade, etc) de uma forma padronizada, que permita comparar as informações. Ela também concordou que uma abordagem adequada à realidade de cada setor econômico é essencial, e que é fundamental que a definição de crédito verde para atividades agrícolas inclua o conceito de adicionalidade, indo muito além do mero cumprimento legal.
Fátima Tosini concordou com Luciane que a abordagem das novas regulações do BC de 2021 foi muito além da de 2014, de forma positiva, porém ainda insuficiente. Ela lembrou que, já na consulta pública realizada pelo BC em 2012, foi identificada a necessidade de uma abordagem setorial, priorizando atividades econômicas de maior risco. Também reforçou que, na sua experiência atuando na fiscalização do BC, normas com abordagem meramente principiológica não produzem impacto real, é preciso indicar medidas concretas a serem adotadas pelos bancos, por exemplo, mencionando as bases de dados socioambientais a serem consultadas (ela indicou, como exemplo, que uma das normas de 2021 faz referência à análise do cumprimento das condicionantes da licença ambiental, mas não chega a exigir que ocorra a consulta a licenciamento para todas as operações). Ela ainda enfatizou a importância de considerar a localização das atividades financiadas, e de que a regulação do crédito rural vá além do bioma Amazônia, citando como exemplo a extrema vulnerabilidade climática da região conhecida como MATOPIBA, que fica no bioma Cerrado.
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Veja aqui as primeiras repercussões do estudo da SIS na imprensa:
- Matéria publicada no site “Brasil de Fato”: Bancos brasileiros podem estar financiando atividades de alto risco ambiental
- Matéria publicada na revista digital “Eco 21”: As instituições financeiras no Brasil precisam ter maior responsabilidade socioambiental
- Matéria publicada no blog “Neo Mondo”, do Estadão: Regulação bancária brasileira precisa ser aprimorada em relação à sustentabilidade
- Matéria publicada no blog “Papo Reto”: Regulação bancária brasileira precisa ser aprimorada em relação à sustentabilidade
- Matéria publicada no blog “Convergência pelo Brasil”: Regulação bancária brasileira precisa ser aprimorada em relação à sustentabilidade
- Matéria publicada no blog “O Mundo Que Queremos”: Regulação bancária brasileira precisa ser aprimorada em relação à sustentabilidade