No dia 1º. de setembro de 2023, a SIS submeteu contribuições à consulta pública da Comissão Europeia, que pretende criar a primeira regulação do mundo sobre ratings ASG. A contribuição pode ser acessada aqui (texto em inglês).
O documento comenta um relatório de 2021 da IOSCO (International Organization of Securities Commissions), a associação global de reguladores de mercado de capitais, sobre ratings ASG, cujo resumo traz cinco pontos críticos para a discussão sobre as limitações atuais desta classe de rating:
- falta de clareza e alinhamento de definições, incluindo o que ratings ou produtos de dados pretendem medir;
- falta de transparência sobre as metodologias que sustentam estes ratings ou produtos de dados;
- cobertura geográfica e de setores econômicos desigual pelos produtos oferecidos, deixando lacunas para investidores que pretendem seguir certas estratégias de investimentos;
- conflitos de interesse, em que provedores (ou entidades próximas deles) de ratings e produtos de dados ESG realizam serviços de consultoria para empresas avaliadas;
- há necessidade de melhor comunicação com as empresas submetidas aos ratings e produtos de dados ESG, visto que é essencial que forneçam informações sólidas.
Outro ponto-chave referido no relatório da IOSCO (p. 20) é o problema da ausência de dados e como lidar com ela: “a lack of reporting can either lead providers to use industry averages, thereby possibly creating an incentive for poor performers not to report their information, or lead the provider to negatively assess the company.” Trata-se de uma prática comum de mercado o uso de médias baseadas nos dados das empresas que relatam, como se as empresas que não relatam tivessem de fato o desempenho médio, quando na prática ou elas não possuem o dado ou possuem e, por estarem abaixo da média, escolhem não relatar para se beneficiar do fato de que seus dados serão “estimados” por um valor superior ao real. Salientou a SIS, em sua contribuição, que isso equivale a usar dados falsos, pois essa estimativa não tem qualquer base lógica ou real. A melhor forma de contornar isso, naturalmente, é reguladores definirem itens a serem obrigatoriamente relatados, mas, enquanto isso não existe, é preciso vedar essa prática, que ilude usuários da informação e desencoraja a transparência por parte das empresas com baixo desempenho.
A proposta da União Europeia abordou algumas destas questões. Os requisitos de governança, os mecanismos para prevenir conflitos de interesses e garantir a independência e a definição da autoridade da ESMA (Autoridade Europeia de Mercados de Valores Mobiliários) sobre os ratings ESG são questões essenciais que foram devidamente abordadas. O mecanismo de reclamações é uma estratégia muito interessante para melhorar o sistema também.
Os requisitos de transparência também são fundamentais e a forma como são abordados no projeto de norma já são muito relevantes, especialmente no que diz respeito a: a) fontes de dados (incluindo uso de recursos de inteligência artificial e qualquer limitação nas fontes de dados); b) se as metodologias olham para o passado ou o futuro; c) se as metodologias são baseadas em evidências científicas; d) se riscos, impactos ou outras dimensões são avaliadas; e) o âmbito temático do rating e se corresponde ou não ao ESRS (padrão de relatórios de sustentabilidade da UE); f) o peso de cada fator; g) se o rating é expresso em valores absolutos ou relativos; h) como são calculadas as tarifas cobradas dos clientes.
A contribuição da SIS aponta, porém, questões-chave que não foram abordadas na proposta de norma UE, em termos de garantir a utilidade e confiabilidade dos ratings ASG para investidores e apresenta propostas a serem incluídas:
- dados reais x dados “estimados”: é necessária a descrição dos processos de obtenção de dados (fontes de dados, inclusive se são públicos ou não públicos, e se são provenientes dos relatórios de sustentabilidade exigidos pela Diretiva (UE) 2022/2464, frequência de atualização dos dados e a solução adotada em caso de indisponibilidade. No caso de indisponibilidade, não pode ser permitida a utilização de médias de mercado, podendo-se considerar uma nota “0” ou qualquer outra nota mínima tecnicamente possível para o tema avaliado;
- conceito de materialidade: é preciso publicar informações sobre o objetivo do rating, deixando claro se ele está avaliando apenas riscos e impactos financeiros decorrentes de fatores climáticos, ambientais ou sociais ou todos os riscos e impactos climáticos, ambientais e sociais decorrentes das atividades da empresa;
- cobertura temática mínima e inclusão da cadeia de valor: dentro dos fatores E, S ou G, especificação dos temas abrangidos pelo rating/score ESG, que deve incluir pelo menos os tópicos dos padrões de relatórios de sustentabilidade desenvolvidos nos termos do artigo 29.º-B da Diretiva 2013/34/UE, em toda a cadeia de valor;
- conformidade e/ou desempenho – necessidade de consideração de indicadores-chave de desempenho específicos do setor: ao se avaliar fatores ASG, é necessário avaliar a conformidade com regulações da jurisdição em que a empresa avaliada opera; devem ser usados indicadores-chave de desempenho específicos do setor econômico a que pertence a companhia avaliada.
A SIS tem contribuído em outros momentos com consultas públicas de reguladores do mercado financeiro dos Estados Unidos, China, Chile, Índia, além de outras da União Europeia e, claro, também no Brasil, onde várias de nossas contribuições já foram acolhidas.