No dia 8 de novembro, Luciane Moessa participou em Santarém, no Pará, do XV Congresso da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco), no painel sobre Financiamento à Bioeconomia, que foi mediado pelo Professor Peter May.
O primeiro palestrante foi o climatologista Carlos Nobre, que abordou como a Amazônia, ao longo das últimas décadas, deixou de ser uma área que realizava captura de carbono para atualmente, devido ao desmatamento (que libera carbono armazenado no solo), emitir mais gás carbônico do que captura. Ele também sublinhou o papel da floresta tropical na regulação do ciclo das chuvas em todo o país, através do fenômeno dos “rios voadores”, além do que a exploração de atividades econômicas ligadas à floresta em pé gerar mais empregos e produzir mais retornos financeiros do que a pecuária e as monoculturas agrícolas que têm gerado desmatamento de vastas áreas do bioma.
Fabiano Coelho, do Depto. de Regulação Prudencial do Banco Central, que atua na área de sustentabilidade e inclusive representa o regulador em grupos de trabalho da Network for Greening the Financial System (NGFS), apresentou sua crítica pessoal de que a regulação financeira sobre aspectos climáticos e socioambientais, no Brasil e no mundo, no geral, ainda se limita a incorporar riscos que se expressam para cada instituição financeira individualmente e com foco no ciclo financeiro das operações, ao invés de adotar uma lógica sistêmica e de longo prazo, fazendo com que atividades que causam danos dessa natureza continuem a ser financiadas, já que isso ainda não impacta os resultados financeiros das instituições.
Nabil Kadri, do BNDES, destacou, entre outros pontos, que esse foi o primeiro banco brasileiro a criar um Depto. de Sustentabilidade, e que também foi a primeira instituição financeira a deixar de financiar usinas termoelétricas a carvão e a petróleo e gás (desde 2016), bem como a primeira a emitir um título verde, no valor de 1 bilhão de dólares, em 2017, para o financiamento de energias renováveis.
Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, salientou que as comunidades tradicionais também necessitam de assistência técnica, não apenas financiamento, mas que não possuem desejo de se tornar grandes empreendedoras, e é fundamental que sua autonomia seja respeitada. E defendeu que muitas vezes a viabilização financeira dessas atividades depende efetivamente de subvenções públicas, pois não é possível garantir rentabilidade. Já Maria Rosa Darrigo, da Forest & Finance, salientou que grandes instituições privadas brasileiras têm basicamente financiado a expansão da pecuária e de monoculturas agrícolas na Amazônia, desempenhando papel pífio no financiamento da bioeconomia (ela citou como exemplo o Plano Amazônia, elaborado por Itaú, BRADESCO e Santander, que não apresentou qualquer resultado relevante em 3 anos).
Luciane Moessa lembrou que a primeira necessidade é chegar a um conceito de bioeconomia para uso do setor financeiro, um conceito que realize a consideração integrada de aspectos ambientais, sociais e climáticos, como se dá com a concepção de economia da sociobiodiversidade. Essa definição, segundo ela, é fundamental para evitar greenwashing. É preciso, para esse fim, realizar avaliação do ciclo de vida de produtos e serviços e considerar/ mensurar tanto impactos positivos quanto negativos, bem como identificar alternativas para mitigação de riscos e impactos negativos. Ela citou como exemplos de atividades a serem incluídas: produtos alimentícios (açaí, castanhas, cupuaçu e diversos outros frutos nativos); produtos de limpeza que usam matéria-prima de origem natural; produtos fitocosméticos; produtos fitomedicinais (cuja matéria-prima costuma ser apropriada pela indústria farmacêutica, mas, se associada a conhecimentos tradicionais, pode viabilizar o tratamento de diversas doenças com custos muito menores e sem efeitos colaterais); bioplásticos; ecoturismo terrestre e de água doce; artesanato e vestuário com bioinsumos. Ela criticou a consideração de biocombustíveis no conceito de bioeconomia, já que existe o alto risco de conduzirem a mais desmatamento, por conta do uso intensivo de solo. Ela explicou que a definição de bioeconomia se enquadra muito bem na elaboração de Taxonomias Verdes/Sociais/Sustentáveis, que vem sendo realizada em muitos países do mundo, sendo que uma Taxonomia dessa natureza para uso do setor financeiro nada mais é do que um sistema de classificação de atividades econômicas quanto a seus impactos climáticos e socioambientais. Uma Taxonomia pode e deve abranger atividades econômicas permanentes (setores primário, secundário e terciário) e projetos específicos (infraestrutura), bem como tecnologias transversais a vários setores econômicos, e serve para estimular o alinhamento entre a economia e o Desenvolvimento Sustentável, dando mais acesso (condições mais favoráveis) a capital para atividades com benefícios socioambientais e climáticos e restringindo o acesso para atividades que causam danos. Ela salientou que o governo federal está elaborando um Plano de Ação para uma Taxonomia Sustentável brasileira nesse momento, mas não houve ainda inclusão de atividades da Bioeconomia, devido à concepção exclusivamente setorial adotada e que partiu de modelos de outros países, ainda sem adaptação à realidade brasileira, com exceção da inclusão de aspectos sociais.
Ela também abordou, como obstáculos para financiamento à bioeconomia, os seguintes: a) resistência (mesmo que implícita) em considerar a localização dos empreendimentos financiados; b) necessidade de assistência técnica e de apoio no acesso a mercados; c) risco financeiro maior devido à falta de histórico de rentabilidade; d) competição com atividades que têm histórico de rentabilidade, mesmo causando danos socioambientais e climáticos, e) valores baixos envolvidos na maioria dos projetos, o que afasta investidores que não estejam adaptados a esse formato.
Por fim, ela abordou alguns possíveis instrumentos financeiros que podem ser usados para financiar a bioeconomia: a) emissão de títulos públicos soberanos – poderiam financiar pesquisa aplicada em universidades e institutos de pesquisa públicos e programas de assistência técnica, mas infelizmente essas atividades não foram incluídas no Arcabouço de títulos soberanos sustentáveis do Brasil, publicado em setembro; esse, porém, incluiu: “registro, gestão e difusão de conhecimentos, técnicas e saberes tradicionais e científicos” e também “projetos para áreas pertencentes a povos e comunidades indígenas e/ou tradicionais”; b) linhas de crédito para atividades econômicas ligadas à sociobiodiversidade; c) produtos de seguros específicos (ela deu exemplos de outros países em que já foram criados seguros até para restauração de mangues e recifes de coral em razão de eventos extremos climáticos, ao passo que no Brasil não temos sequer seguros para viveiros de mudas florestais); d) no mercado de capitais: fundos de venture capital e títulos temáticos (ambientais/sociais/sustentáveis), sendo que esses últimos requerem um grande agrupamento de operações de crédito de valor pequeno para viabilizar financeiramente a sua emissão.
Gustavo Pimentel, da NINT, salientou o papel das instituições financeiras de desenvolvimento (IFDs) no financiamento de atividades de maior risco, como aquelas ligadas à bioeconomia. Pontuou, no entanto, que a regulação de IFDs no Brasil é muito similiar às instituições financeiras privadas em alguns aspectos (como a necessidade de distribuição de dividendos e a proibição de financiamento de assistência técnica) que dificultam esse papel, diferente do que ocorre com bancos de desenvolvimento europeus. Ele enfatizou também que essas atividades enfrentam outros obstáculos além do acesso a capital, lembrando do papel do cooperativismo para viabilizá-las. Por fim, em termos de mecanismos financeiros, ele lembrou do chamado blended finance, em que ocorre a diluição de riscos com a participação de IFDs ao lado de bancos ou investidores privados, e em que o próprio capital filantrópico também pode participar.
Fernando Campos, da Sitawi, apresentou suas iniciativas no sentido de oferecer plataformas de investimentos em pequenos projetos com benefícios socioambientais (inclusive na Amazônia) usando mecanismos de financiamento coletivo, que permitem que investidores pessoas físicas, com valores muito baixos, possam levar recursos, por exemplo, a atividades vinculadas à sociobiodiversidade.
Carmen Feijó, Professora de Macroeconomia da UFF, ressaltou, entre outros pontos, a necessidade de outros incentivos econômicos (como os tributários) para viabilizar atividades ligadas à bioeconomia. Explorando um ponto já abordado por Gustavo Pimentel, salientou que a atuação de instituições financeiras de desenvolvimento também é limitada por não poderem expandir seus balanços, como as instituições financeiras privadas. Para alavancar a atuação deles, sugeriu que os Bancos Centrais podem usar quantitative easing (compra de títulos colocados no mercado de capitais para reduzir taxas de juros e aumentar a oferta de capital para o setor produtivo) para compra de títulos verdes emitidos por bancos de desenvolvimento.
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