A grande maioria das atividades econômicas dependem de acesso ao setor financeiro para se desenvolver. A mitigação e adaptação das mudanças climáticas também dependem, em grande medida, de recursos financeiros – e o tema central dessa conferência global do clima é o montante de recursos que será investido nisso, sobretudo por parte dos países desenvolvidos, que proporcionalmente foram e são responsáveis pela maior parcela das emissões de gases de efeito estufa que nos deixaram na atual condição, além de terem condições financeiras que lhes permitem aportar mais recursos.
Ocorre que a discussão sobre finanças climáticas, em muitos momentos, parece partir da premissa de que o aporte de recursos financeiros nas causas das mudanças climáticas (que também passam fortemente pela destruição da biodiversidade) não continua acontecendo – e em velocidade muito maior do que o financiamento da mitigação e da adaptação. Esse foi o tema do painel, como bem resumiu Marcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima, último dos debatedores, que salientou que esse quadro só vai ser alterado na sua generalidade com atuação regulatória não apenas de âmbito normativo, mas aplicação efetiva das normas que se aplicam ao setor financeiro por parte dos entes públicos competentes. Em outras palavras, o que foi debatido foi como evitar que as mudanças climáticas e outros problemas socioambientais graves continuem sendo financiados pelo setor financeiro.
A primeira expositora foi Ana Toni, Secretária Nacional de Mudanças do Clima e que também está atuando como Conselheira da Presidência dessa COP29. A Secretária defendeu que o diálogo entre o setor financeiro e a área ambiental é fundamental e vê como muito positiva a participação de Ministros das Finanças nas conferências do clima. A questão climática, apontou ela, ainda costuma ser vista como um nicho por muitos, quando se trata de uma questão fundamental que é transversal a toda a economia. Sobre o tema central dessa conferência, Ana enfatizou que o valor definido precisa ser suficiente, acessível e chegar a tempo onde ele é necessário e que será preciso usar um leque de instrumentos financeiros para dar conta disso.
O painel foi mediado por Marcos Woortmann, Diretor Adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade, que explicou que um conjunto de 11 organizações da sociedade civil brasileiras, ao longo desse ano, se reuniram para apresentar uma proposta de fortalecimento e alinhamento das regulações financeiras em matéria climática e socioambiental.
Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica e fundadora da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), apresentou as razões dessa proposta, explicando que o Brasil possui quatro reguladores financeiros distintos (Banco Central, que é regulador bancário e também autoridade monetária; CVM, regulador de mercado de capitais; SUSEP, regulador de seguros e previdência complementar aberta; e PREVIC, regulador de entidades de previdência complementar fechada) e que atualmente o tratamento da matéria pelos quatro reguladores é completamente heterogêneo, levando ao que se chama de “arbitragem regulatória”, quando um ator de mercado compara dois conjuntos de regras para optar pela que é mais favorável – no caso do agronegócio brasileiro, que tem recorrido cada vez mais ao mercado de capitais, ela aponta que uma das possíveis razões são as exigências socioambientais do crédito rural, que não existem nos produtos financeiros do mercado de capitais. Ela sustentou que, apesar de haver ainda pontos de aprimoramento necessários, a regulação e supervisão do crédito rural no Brasil é o que há de mais avançado nessa matéria, não apenas comparando-se com o mercado de capitais (incluindo investimentos em geral, não somente os do agronegócio), mas também o de seguros e até mesmo as demais operações de crédito. Ela apontou 5 pontos fortes da regulação do crédito rural, que precisam ser seguidos pelos demais âmbitos do setor financeiro: a) definição clara do universo de transações que precisa passar por avaliação de risco socioambiental e climático (isso atualmente não existe para nenhum outro universo de operações, deixando de fora uma série de transações com riscos e impactos negativos); b) conhecimento da localização exata do empreendimento financiado: c) diligências socioambientais obrigatórias claramente definidas, incluindo o cumprimento da legislação socioambiental aplicável à atividade econômica; d) base de dados ambientais e sociais proveniente de outros entes públicos integrada à base de dados do crédito rural, além de algumas informações facultativas sobre desempenho climático e socioambiental, e essa base de dados é compartilhada com as instituições financeiras, reduzindo fortemente os custos de observância; e) consequências claras para as hipóteses de descumprimento das regras, tais como o impedimento da concessão do crédito rural. Para ver os slides usados por Luciane na sua exposição, clique aqui.
Claudio Filgueiras, Chefe do Departamento de Crédito Rural do Banco Central do Brasil, explicou que seu departamento tem um fluxo anual de 2,3 milhões de operações, num total de 74 bilhões de dólares. Devido ao sistema de integração de bases de dados, que inclui o Serviço Florestal Brasileiro, IBAMA, ICMBio, FUNAI, INCRA, Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça, Agência Nacional de Águas, INMET e Ministério Público Federal, somente em 2024 mais de R$ 1 bilhão de dólares foram bloqueados em razão de terem sido encontradas irregularidades sociais ou ambientais. O sistema inclui monitoramento de imóveis por satélite e, no momento, está sendo desenvolvida uma parceria com a EMBRAPA e o INPE que permitirá um conhecimento amplo de cada imóvel rural receptor de crédito. Ele esclareceu ainda que existem planos para incluir operações do mercado de capitais e que, desde a Resolução BCB 204, que criou o CACR, o pilar da transparência tem sido cada vez mais fortalecido nas operações de crédito rural. Para ver os slides usados por Claudio na sua apresentação, clique aqui.
O mediador apontou a importância de que outros reguladores financeiros, que não contam com a mesma estrutura do Banco Central do Brasil, venham a atuar de forma integrada, ao invés de duplicar esforços e tornando mais eficiente a atuação da Administração Pública brasileira.
A Diretora de Campanhas do Greenpeace Brasil, Raissa Ferreira, apresentou a campanha lançada em abril desse ano pelo Greenpeace chamada “Bancando a Extinção”, que tem como objetivo uma mudança sistêmica no setor financeiro e que, embora muitas delas possam avançar voluntariamente, a organização acredita que os maiores avanços acontecerão via regulação. Ela explicou que no início foi focado o crédito rural, e que foi feito um estudo abrangendo operações firmadas entre 2018 e 2022, antes de algumas alterações regulatórias realizadas em 2023, de modo que foram encontrados casos de crédito rural concedido para imóveis com sobreposição com terras indígenas, unidades de conservação e florestas públicas não destinadas, imóveis embargados pelo IBAMA (mesmo no bioma Amazônia), entre outros. Mesmo com as mudanças já realizadas em 2023, o Greenpeace defende que outras mudanças são necessárias, como vedar o crédito para o imóvel embargado por uso ilegal de fogo, e a exigência de rastreabilidade do gado. Para ver os slides usados por Raissa na sua fala, clique aqui.
Para ver a proposta de Decreto federal elaborada pelas 11 organizações na íntegra, clique aqui.
Além das quatro organizações que fizeram parte do painal, outras 7 elaborararam e apresentaram ao governo uma proposta de Decreto federal sobre o assunto: Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Ethos, Conectas Direitos Humanos, Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM), Instituto Cerrado do Brasil, Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente (ABRAMPA) e Instituto de Direito Coletivo (IDC).