A segunda oficina temática sobre a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), com foco na “Redução de desigualdades de gênero, raça, sociais e regionais”, foi organizada pela associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), ambos integrantes do Comitê Consultivo da TSB. O evento ocorreu no dia 10 de março, das 9:30 às 11:30, em formato online, e sua gravação está disponível aqui. A mediação foi conduzida por Renata Belzunces (DIEESE), que ressaltou a importância das discussões promovidas nas oficinas, visto que as entidades integrantes do Comitê Consultivo têm o papel de fomentar o diálogo e garantir que os debates influenciem efetivamente a construção da Taxonomia Sustentável Brasileira.
O encontro, que aconteceu próximo ao 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, abordou a necessidade de criação de estratégias para mitigar desigualdades estruturais por meio da TSB, incluindo a proposta do Índice de Diversidade, um índice de equidade de gênero e raça aplicável a empresas de diferentes portes.
Lorize Voloxki, da Fomento Paraná, foi a primeira expositora, convidada para apresentar as linhas de crédito voltadas a mulheres empreendedoras, desde trabalhadoras informais até empresárias já estabelecidas. O Banco da Mulher Paranaense é um programa estadual criado há cinco anos que oferece crédito a mulheres empreendedoras, abrangendo desde capital de giro até investimentos fixos. O principal produto do banco é o microcrédito, que varia de R$1.000 a R$20.000, com um desconto de 7 pontos percentuais na taxa anual para aquelas que mantêm os pagamentos em dia. As taxas de juros começam a partir de 0,95% ao mês. O programa já beneficiou mais de 18 mil empreendedoras, muitas das quais eram informais e conseguiram formalizar seus negócios após o acesso ao crédito, e soma R$230 milhões em crédito liberado apenas para mulheres. Lorize aponta que a oportunidade de conseguir crédito, quando bem aplicado e no momento certo, pode transformar positivamente uma empresa. Para a instituição de fomento esse também é um movimento positivo, porque já é um fato conhecido que clientes mulheres têm um perfil com menos inadimplência. Clique aqui para acessar os slides usados por Lorize.
Vilmar Thewes, do Banco do Brasil, destacou a importância do conceito de “intencionalidade” na promoção da equidade de gênero no Banco do Brasil. Ele apontou que, embora a participação feminina em cargos de liderança tenha aumentado 15% em 2024, as mulheres ainda representam apenas 27,4% dessas posições, enquanto correspondem a 42% do quadro total de funcionários. O banco tem adotado estratégias afirmativas para acelerar essa inclusão, criando vagas afirmativas em processos de seleção internos e incluindo critérios de diversidade, na Política de Indicação e Sucessão de Administradores, além de ações externas, tornando-se embaixadores do pacto global da ONU “Elas Lideram”. Ações semelhantes são adotadas para aumentar a diversidade racial.
No âmbito dos produtos financeiros, Thewes aponta que o Banco do Brasil possui uma carteira de crédito total superior a R$1 trilhão, com mais de um terço desse montante classificado como crédito sustentável. A instituição implementou uma taxonomia interna para mensurar essas operações, em conformidade com a metodologia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Em 2023, a carteira de crédito sustentável cresceu quase 13%. O Banco do Brasil também captou cerca de R$2 bilhões em títulos sustentáveis para financiamento de projetos no Brasil.
Entre os instrumentos financeiros voltados à diversidade, destacam-se o DVER11, um fundo negociado em Bolsa (ETF) estruturado em parceria com a B3, focado em empresas que apresentam bons indicadores de diversidade; o Fundo Constitucional de Financiamento (FCO) Quilombola, um conjunto de linhas de crédito que apoiam o desenvolvimento econômico e social de comunidades quilombolas; o PRONAF Mulheres, financiamento à mulher agricultora integrante de unidade familiar de produção enquadrada no PRONAF; e o Hub Bioeconomia, que atua para apoiar iniciativas que promovem a sociobiodiversidade. Atualmente, os fundos de investimento sustentáveis do BB somam R$ 4,1 bilhões. Um dado muito interessante trazido por ele foi que a taxa de inadimplência na carteira sustentável de crédito do Banco do Brasil é de apenas 1,51%, ao passo que a inadimplência média geral é de 3,3% – e isso se reflete também em taxas menores para os produtos da carteira sustentável.
O banco também tem avançado em iniciativas para a inclusão financeira de populações desbancarizadas, adotando estratégias para ampliar o acesso ao crédito. Um exemplo disso foi a realização de um evento de educação financeira, no qual se observou a baixa participação de mulheres. A análise apontou que essa ausência estava relacionada às responsabilidades com o cuidado dos filhos. Diante disso, a instituição passou a oferecer serviços de creche durante os cursos, o que resultou em um aumento significativo da presença feminina, alcançando quase 50% do público. Essa experiência evidencia a importância de remover barreiras estruturais para promover a equidade no acesso a oportunidades financeiras. Para ver a apresentação completa de Vilmar, clique aqui.
Em sua exposição, Luciane Moessa, da SIS, sublinhou que uma taxonomia sustentável só pode ser considerada verdadeiramente sustentável se integrar, de maneira estruturada, objetivos sociais. Nesta fase inicial, a prioridade social da taxonomia recai sobre a redução das desigualdades de gênero e raça, com o reconhecimento de que fomentar oportunidades para mulheres negras, por exemplo, tem um efeito multiplicador que ressoa em toda a sociedade. Luciane enfatizou que as trajetórias de ascensão são profundamente condicionadas por fatores como gênero, cor, etnia, classe social e origem regional, o que exige uma abordagem sensível e setorialmente ajustada para garantir que a sustentabilidade econômica se alinhe à justiça social.
Diante dessa complexidade setorial, a SIS propõe a implementação de uma gradação de “tons de verde” (claro, médio e escuro) para diferenciar os níveis de impacto positivo das ações incluídas na taxonomia. No setor de agropecuária, floresta e pesca, por exemplo, é essencial diferenciar pequenos, médios e grandes produtores rurais, além de distinguir pescadores artesanais de industriais. A agricultura familiar seria classificada como verde escuro; atividades agrícolas, pecuárias e extrativistas em pequenas propriedades, como verde médio; e atividades em médias e grandes propriedades, como verde claro. No setor da construção civil, é necessário considerar o déficit habitacional. Luciane aponta que, atualmente, 8% da população brasileira não tem moradia. O que já consta na taxonomia está relacionado à eficiência energética nas obras de construção e instalação de pontos de recarga para veículos elétricos. Propõe-se adicionar medidas de eficiência hídrica e materiais sustentáveis como verde médio, enquanto moradias sociais adaptadas às mudanças climáticas seriam classificadas como verde escuro.
Em água e esgoto, há carência de serviços para populações vulneráveis, os déficits são expressivos, duplicando nas regiões Norte e Nordeste. A proposta da taxonomia foca na eficiência hídrica, mas isso não é suficiente; é necessário avançar em sistemas descentralizados, que atendam populações periféricas. A inclusão de sistemas alternativos de esgoto foi uma recomendação da SIS incorporada na última atualização da consulta pública. Em relação à destinação de resíduos sólidos urbanos, recomenda-se adotar medidas que melhorem as condições precárias de trabalho dos catadores, ampliar a coleta de resíduos para áreas em que ela não ocorre. No setor de eletricidade e gás, a proposta inclui classificar como verde escuro as medidas que ampliam o acesso à energia renovável para regiões que não a possuem, além de sistemas híbridos de baixa emissão, e energias renováveis para cocção. Há populações sem acesso à luz e outras vivendo em situação de pobreza energética, com contas que representam grande parte da renda familiar, é mais um caso em que o fator social deve servir de diferenciador. O mesmo se observa no transporte público, que impacta desproporcionalmente mulheres e trabalhadores de baixa renda. A recomendação é a de que se priorize e a melhoria do transporte coletivo e a mobilidade ativa urbana, garantindo segurança para grupos vulneráveis, especialmente mulheres. Transportes de baixa emissão, VLTs, ciclovias seguras e bicicletários devem ser classificados como verde escuro. Para ver os slides utilizados por Luciane, clique aqui.
Para aprofundar a discussão, recomendamos a leitura do policy brief da SIS, que será lançado na próxima segunda-feira, 17 de março.
Como debatedora, Tatiana Dias Silva, representando a Diretoria de Avaliação, Monitoramento e Gestão da Informação do Ministério da Igualdade Racial, destacou que a taxonomia brasileira inaugura o primeiro índice a tratar diretamente da questão racial. Isso representa uma inovação necessária, pois enfrentar o racismo exige intencionalidade: não basta ser não racista, é preciso ser antirracista. Ela criticou políticas colourblind, que pretendem ser neutras, mas acabam invisibilizando desigualdades raciais. Ao trabalhar políticas de gênero sem considerar a questão racial, pode-se aprofundar desigualdades entre mulheres. O mesmo ocorre entre os mais pobres: há desigualdades dentro das próprias desigualdades. Para Tatiana, é crucial um alinhamento e um letramento sobre essas interseccionalidades: rural e urbano, faixa etária, ocupação, classe social, raça e etnia. Tatiana também ressaltou que as interseccionalidades devem ser consideradas ao longo de toda a cadeia de distribuição dos recursos financeiros. É essencial entender como os fundos chegam à população e como as instituições repassam os valores. Também destacou a inclusão de um novo ODS da ONU, o ODS 18, que trata da igualdade étnico-racial. As estratégias da taxonomia podem ser vistas como respostas para a implementação desse novo objetivo global.
Josi Aguiar, representando o Ministério das Mulheres, enfatizou que a taxonomia sustentável brasileira é uma construção ousada e inovadora para um país tão diverso e desigual como o Brasil. Tornar visíveis as desigualdades de gênero, raça e região é essencial. O índice criado é desafiador porque busca olhar de maneira ampla para a sociedade e contribuir para sua transformação. Em relação às mulheres, destacou o trabalho invisível e a chamada “terceira jornada”, o acúmulo de trabalho doméstico e de cuidado, que limita a disponibilidade de tempo e acesso a oportunidades. Outro ponto crítico são as barreiras burocráticas para o acesso ao crédito por mulheres. Muitas delas não possuem terras ou documentos em seus próprios nomes, o que dificulta a obtenção de financiamento. Nesse ponto, se faria necessárias iniciativas de assessoria jurídica para regularizar documentação, facilitar dissoluções de união estável ou divórcios e permitir o acesso dessas mulheres a direitos patrimoniais. Josi defende que o sistema financeiro deve ser repensado para atender a essas realidades e garantir que mulheres possam acessar recursos de forma equitativa.