Na manhã do dia 17 de março, a SIS realizou o evento online de lançamento do Policy Brief “Contribuições da SIS para a consulta pública da Taxonomia Sustentável Brasileira”. O documento, disponível para acesso aqui, sintetiza desafios e recomendações para a construção de uma taxonomia das finanças sustentáveis no Brasil, considerando não apenas critérios ambientais, mas também a redução das desigualdades de gênero, raciais, socioeconômicas e regionais.
A Taxonomia Sustentável Brasileira abrange os principais setores econômicos brasileiros, e a SIS desenvolveu contribuições para todos, exceto o de serviços. As propostas presentes no Policy Brief foram revisadas por especialistas de instituições reconhecidas em cada área. A abertura ficou a cargo de Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica da SIS, que apresentou os debatedores — autores, membros da equipe técnica da SIS e revisores das propostas. Eles compartilharam suas percepções sobre os setores contemplados: Agropecuária, Florestas, Pesca e Aquicultura; Mineração; Indústria de Transformação; Eletricidade e Gás; Água e Esgoto; Destinação de Resíduos Sólidos; Construção Civil e Transportes. A gravação do evento pode ser vista no Youtube.
Sobre o setor de Agropecuária, Florestas, Pesca e Aquicultura (CNAE A), Suely Araújo, do Observatório do Clima, apontou que o documento da taxonomia disponibilizado para consulta pública apresenta uma lista limitada de culturas: soja e milho (anuais); soja e cacau (perenes); pecuária bovina de corte e leite; eucalipto (floresta plantada); regeneração natural assistida de florestas nativas; e algumas espécies da pesca e aquicultura (pirarucu, tilápia e tambaqui). No entanto, grande parte da produção alimentar da população brasileira ficou de fora, incluindo arroz e feijão. Além disso, a agricultura familiar foi negligenciada, sem menção a iniciativas que garantam sua viabilidade e à produção de comunidades tradicionais. Ela aponta que, do jeito que está, a taxonomia pode criar um “rótulo verde” para um número muito restrito de atividades. Entre os pontos críticos, Suely destacou que a pulverização aérea de pesticidas não pode ser reconhecida como sustentável e, portanto, deve ser excluída. Também questionou a inclusão do eucalipto e a ausência da pesca artesanal marítima, que carece de regulação adequada.
Sobre o setor de Mineração (CNAE B), Júlio Grillo, do Fórum Permanente do São Francisco, ressaltou que a mineração não foi incluída na maioria das taxonomias existentes e destacou que, apesar de necessária, a mineração é uma atividade de alto impacto ambiental, portanto exige monitoramento rigoroso. No Brasil, o licenciamento ambiental é falho, e os riscos das barragens de rejeitos são alarmantes. Ele defende a exclusão da mineração de alumínio e ferro da taxonomia, pois são minerais amplamente utilizados na economia e não necessitam de incentivos. Além disso, sua inclusão compromete a credibilidade do processo, podendo resultar em greenwashing. Entre as propostas da SIS e do Fórum Permanente do São Francisco, ele elencou medidas fundamentais para adaptação às mudanças climáticas e mitigação de riscos, incluindo: descomissionamento de barragens de rejeitos inativas; monitoramento aprimorado da segurança de barragens e pilhas de rejeitos estéreis; definição de altura máxima para pilhas de rejeitos; revisão dos sistemas de drenagem de águas pluviais, considerando o novo regime de chuvas; reforço nas estruturas de destinação de rejeitos; descontaminação de águas superficiais e subterrâneas; reaproveitamento de rejeitos na construção civil; incentivo ao uso de hidrogênio verde na desoxidação do minério, eliminando o uso de carvão. Por fim, Grillo fez um alerta contundente: diversas barragens representam um risco iminente para a sociedade e o meio ambiente; um rompimento pode comprometer todo o Rio São Francisco, liberando arsênio, cianeto e mercúrio, com impactos que podem durar um século. Para ver os slides usados pelo Julio, clique aqui.
Carine Vieira, da equipe técnica da SIS, apresentou as contribuições para o setor de Indústria de Transformação (CNAE C), destacando que esse é um dos setores mais poluentes. Apesar de sua importância para a economia brasileira — representando 24% do PIB —, esse setor também contribui com 6% das emissões nacionais. Dentro desse contexto, a metalurgia é a principal fonte emissora, uma vez que os altos fornos exigem temperaturas extremas, o que leva ao uso intensivo de derivados de petróleo como fonte de energia. Segundo ela, os principais desafios da indústria de transformação no Brasil (e no mundo) estão relacionados à energia, especialmente na produção de ferro, aço, alumínio e cimento. Na indústria têxtil, os principais problemas são a contaminação hídrica causada pelos efluentes químicos. No setor madeireiro, o desmatamento na cadeia produtiva representa grande desafio, sendo que este último não foi contemplado na taxonomia — um ponto que a SIS sugere corrigir. Carine ressaltou que o Brasil tem condições favoráveis para aprimorar esses processos e tornar sua indústria mais limpa, o que possibilitaria maior competitividade no mercado global e um desenvolvimento mais sustentável. A SIS propôs melhorias específicas para cada setor: Aço: o Brasil já possui um dos aços mais limpos do mundo, o chamado “aço verde”, com emissões quase neutras — um modelo bem-sucedido que pode inspirar outras indústrias; Alumínio: implementação de recompressão mecânica de vapor, calcinação elétrica, uso de hidrogênio como combustível alternativo e fortalecimento da reciclagem, área em que o Brasil é referência; Cimento: adoção de alternativas ao clínquer e uso de combustíveis alternativos, como resíduos urbanos; Biomassa e biocombustíveis: inclusão de combustíveis renováveis de origem não biológica, hidrogênio verde e o desenvolvimento do SAF sustentável (combustível de aviação sustentável); Vidro: necessidade de fortalecer a logística reversa e ampliar a reciclagem, já que, embora o vidro possa ser reciclado infinitamente sem perda de qualidade, no Brasil apenas 25% desse material é reaproveitado, principalmente devido ao seu alto peso e baixo valor de mercado; Madeira: implementação de rastreabilidade da cadeia produtiva, criação de um sistema de certificação da origem da madeira e substituição de combustíveis fósseis na produção; Indústria têxtil: incentivo ao reuso da água por meio de sistemas de membranas, adoção de Processos Oxidativos Avançados (POAs) com ozônio e introdução de tingimento a seco utilizando carbono supercrítico. Veja aqui os slides utilizados por Carine.
Para o setor de Eletricidade e Gás (CNAE D), o revisor e debatedor foi Shigueo Watanabe, do ClimaInfo, que iniciou sua fala explicando que, ao ouvir a palavra “sustentabilidade”, pensa nela como um espectro, pois todo processo gera algum tipo de impacto. A questão central, segundo ele, é como minimizar esses impactos tanto para o meio ambiente quanto para a sociedade. Ele destacou que os capítulos 3 e 4 da Taxonomia Sustentável Brasileira são os mais relevantes, pois nenhuma atividade pode ser considerada sustentável se não respeitar as comunidades humanas que habitam o meio ambiente. Comemorou a não menção a energia nuclear e ao gás natural na taxonomia, argumentando que, apesar de a energia nuclear ser necessária para países que não possuem outras opções energéticas, o Brasil tem fontes alternativas disponíveis e, portanto, não precisa recorrer a essa matriz. Watanabe também chamou atenção para os impactos da geração de eletricidade renovável sobre as comunidades locais. Ele citou os problemas enfrentados por populações no Nordeste devido às usinas eólicas, como o ruído das pás e a passagem de linhas de transmissão sobre áreas de plantio, gerando transtornos que muitas vezes não são percebidos por quem não vive essa realidade. Ele enfatizou que a defesa da energia eólica e fotovoltaica deve ser condicionada à implementação adequada dessas fontes, garantindo que sejam, de fato, sustentáveis. Outro ponto abordado foi a dependência da matriz elétrica brasileira em relação ao regime de chuvas. Embora considerada limpa, essa matriz não é de emissão zero e sua eficiência varia conforme as condições climáticas. Diante disso, Watanabe sugeriu que a taxonomia seja usada como oportunidade para reavaliar os parâmetros do setor elétrico e explorar novas fontes, como a biodigestão do lodo para geração de gás. Segundo ele, é essencial maximizar o aproveitamento energético de cada recurso disponível.
Sobre o setor de Água e Esgoto (CNAE E), a debatedora foi Paula Pollini, do Instituto Água e Saneamento, que destacou a qualidade da proposta apresentada e das contribuições da SIS e ressaltou a importância do olhar estratégico para a água e saneamento, considerando os desafios da universalização, de governança e os impactos das mudanças climáticas para esse setor. As contribuições da SIS são centradas na adaptação e no fortalecimento da resiliência climática, enfatizando o acesso desigual à água e ao saneamento entre diferentes regiões do Brasil, bem como as disparidades entre áreas urbanas e rurais, centro e periferia, e de acordo com recortes de renda, raça, gênero e faixa etária. A principal proposta é estimular soluções alternativas e dinâmicas, adaptadas às especificidades locais. Isso inclui sistemas descentralizados de captação e tratamento de água, capazes de atender necessidades emergenciais em situações de escassez ou alagamento. No que se refere ao tratamento de esgoto, Pollini apontou que a combinação de soluções individuais e coletivas é essencial. Ela também sublinhou a relevância da metodologia da classificação utilizando os diferentes tons de verde, que articulam objetivos climáticos e redução de desigualdades sociais. Veja a apresentação utilizada por Paula clicando aqui.
Para o setor de Destinação de Resíduos (CNAE E), o revisor e debatedor foi Victor Argentino, do Instituto Pólis, que ressaltou que a taxonomia define prioridades essenciais e celebrou a ausência da incineração entre as soluções sustentáveis presentes na TSB. Segundo ele, a reciclagem formal no Brasil é extremamente baixa, enquanto a coleta informal representa mais de dez vezes o volume da coleta municipal em cidades como São Paulo. Apesar de essencial, o trabalho dos catadores segue precarizado e carece de políticas públicas que garantam condições dignas. Victor chamou atenção para a desigualdade na gestão de resíduos no Brasil: um país que ainda convive com lixões a céu aberto, contaminando lençois freáticos, enquanto uma parcela menor dispõe de aterros sanitários, que, no entanto, também não representam uma solução definitiva. Com orçamentos municipais limitados, é fundamental melhorar tecnologias como reciclagem, compostagem e aprimoramento dos aterros sanitários, além de tornar obrigatória a captura de biogás nesses aterros, como constou na proposta da SIS. Ele alertou que os critérios estabelecidos no documento submetido à consulta pública para os setores de reciclagem e compostagem são excessivamente restritivos, dificultando sua adequação às diretrizes sustentáveis. A flexibilização inicial permitiria avanços antes da imposição de critérios mais rigorosos.
Sobre o setor de Construção Civil (CNAE F), Guilherme Lima, da equipe técnica da SIS, explicou a estrutura da proposta, que incorporou inicialmente critérios de mitigação (abrangendo sete categorias de atividades) e, posteriormente, diretrizes para adaptação (com nove atividades elegíveis), assegurando a compatibilidade com objetivos econômicos e sociais. Entre as recomendações da SIS, destaca-se a inclusão da habitação de interesse social como critério elegível, considerando o déficit habitacional que afeta 8% da população brasileira. A sustentabilidade dos materiais de construção também deve ser priorizada, incentivando o uso de materiais de baixa emissão, como cimento e aço sustentáveis. Sugere-se também medidas para conforto térmico e medidas de eficiência hídrica, como soluções de reuso de água da chuva.
Sobre o setor de Transportes (CNAE H), o debatedor Marcos Woortmann, do Instituto Democracia e Sustentabilidade, destacou que o setor é o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa no Brasil, respondendo por cerca de 9% das emissões totais. O Brasil ocupa a sexta posição no ranking global de emissores, sendo fortemente dependente da importação de combustíveis fósseis. Assim, uma transição para uma rede de transporte mais sustentável tem implicações econômicas e políticas significativas. Considerando que apenas 27% das capitais brasileiras possuem sistemas ferroviários urbanos, é possível entender que a expansão da malha ferroviária contribuiria significativamente para a redução de emissões poluentes. Entre as recomendações da SIS, está a inclusão na taxonomia da menção a trens movidos a hidrogênio verde, VLTs com paineis solares e implementação de uma infraestrutura de isolamento acústico em áreas urbanas para reduzir impactos sonoros (por exemplo, de linhas de trem). Woortmann também apontou que a melhoria na eficiência dos motores ferroviários pode aumentar o rendimento em 20%, contribuindo para a sustentabilidade do setor. Outras propostas incluem: infraestrutura para reciclagem de óleo de cozinha para uso como combustível na frota de transporte urbano, a substituição do asfalto por bloquetes e o uso de pintura branca na malha ferroviária, o que reduziria ilhas de calor. Medidas de acessibilidade, como ampliação de calçadas e ciclovias, além da arborização urbana, são essenciais para fomentar a mobilidade ativa e dinamizar o comércio local. A implantação de pontos de recarga para veículos elétricos e a ampliação do uso de combustíveis sustentáveis na aviação também foram apontadas como fundamentais para a transição do setor.
Em seguida, houve debates com os participantes, que trouxeram reflexões fundamentais sobre os desafios da transição energética e os impactos socioambientais das escolhas tecnológicas. Julio Grillo destacou a inevitabilidade da eletrificação, mas questionou o uso de baterias para armazenamento de energia, apontando o hidrogênio verde como uma alternativa mais viável a longo prazo, desde que superado o desafio da escala. Em contraponto, Marcos Woortmann ressaltou que nem toda eletrificação depende de baterias convencionais, mencionando o uso de íons de sal extraídos da água marinha como uma opção menos impactante. O debate também abordou os efeitos da mineração para produção de baterias e a necessidade de pensar criticamente sobre quais soluções tecnológicas realmente promovem a sustentabilidade. Outro ponto levantado, dessa vez por Fabiano Penna, do BNDES, Coordenador do grupo técnico de eletricidade e gás da TSB, foi o impacto social e ambiental de grandes empreendimentos energéticos. A partir disso, os presentes questionaram as justificativas de que a criação de empregos compensaria os danos causados a comunidades e ecossistemas. Alternativas foram discutidas, como a otimização de infraestruturas já existentes, incluindo a redução da vazão de hidrelétricas para que operem de forma mais estratégica e a instalação de paineis fotovoltaicos em seus reservatórios, para reduzir o uso de espaço e otimizar as linhas de transmissão, além de suprir os períodos de escassez hídrica. Além disso, Luciane Moessa relembrou a importância de instrumentos como a Convenção n° 169 da OIT, reforçando o direito de povos e comunidades tradicionais à consulta prévia sobre projetos que impactem seus territórios. Discussões como essa demonstram a relevância do engajamento coletivo na construção de uma Taxonomia Sustentável Brasileira mais justa e eficiente. A consulta pública está aberta até 31 de março, e a participação de diferentes setores e atores sociais é essencial para garantir que as diretrizes propostas promovam, de fato, um futuro mais sustentável para o país.