No 6º. Bate-papo Inclusivo e Sustentável (BIS) da SIS, realizado em 17 de março, a fundadora da SIS Luciane Moessa recebeu Maria Netto, Chefe do Departamento de Instituições Financeiras e Mercados do New Development Bank, Fábio Coelho, Presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (AMEC) e Marco Antonio Fujihara, fundador da Aggrego, da ECOFIX e coordenador do Fórum Brasileiro do Clima. Houve mais de 40 participantes, de instituições como Banco Central do Brasil e Ministério da Economia, Laboratório de Inovação Financeira (LAB), FEBRABAN, CNSeg, BID, BNDES, BDMG, Caixa Econômica, Itaú, Bradesco, Santander, BTG Pactual, BRB, BANPARÁ, Banco Fibra, BNP Paribas, China Construction Bank, SICOOB e SICREDI, gestoras de investimentos como a Fama Investimentos, JGP Investimentos e Crescera capital, organizações do terceiro setor como a Carbon Disclosure Project e o IABS, consultorias como a Agroícone, e start-ups como a Umgrauemeio, que trabalha com detecção de incêndios florestais.
O primeiro tema abordado foi quais os possíveis usos de uma taxonomia que correlacione atividades econômicas/tecnologias e seus impactos sociais e ambientais. Luciane lembrou os usos no mercado financeiro, que podem abarcar a classificação de operações de crédito, investimentos (sejam eles títulos de renda fixa ou fundos de investimentos), relato de empresas que emitem títulos e valores mobiliários (percentual de atividades, sejam em faturamento ou em produção, que se alinham à taxonomia, como na União Europeia). Além disso, ela lembrou que na UE, planeja-se utilizar a taxonomia verde para definição de carga tributária e que o mesmo poderia ser pensado para subsídios creditícios (como se dá no Brasil com o crédito rural). Pontuou também que no Brasil atualmente se discute a possibilidade de uma reforma tributária no Congresso Nacional e que, se nem todas as empresas captam recursos no mercado financeiro, todas se relacionam com o Fisco. Luciane lembrou também que, no mercado financeiro brasileiro, o crédito é muito mais relevante que o mercado de capitais. Maria e Fujihara concordaram que o mercado bancário é fundamental e seria um bom ponto de partida. Maria pontuou ainda que, antes de pensar nos usos específicos, é preciso pensar para que queremos uma taxonomia: para lastrear atividades e metas, para analisar riscos, para incentivar atividades com impactos positivos, definindo, por exemplo, taxas de juros mais favoráveis, etc. Luciane lembrou que esse é o objetivo mais comum das taxonomias, mas que é importante também gerenciar riscos e impactos negativos das atividades mainstream, pois no Brasil o financiamento de impactos positivos ainda é um nicho do mercado. Fábio também ponderou sobre a necessidade de alinhamento da taxonomia a políticas públicas e sobre a importância dos relatórios de sustentabilidade das empresas que captam recursos no mercado de capitais. Luciane também mencionou dados do regulador bancário chinês relativos ao nível de inadimplência nas operações de crédito verde (o regulador chinês definiu crédito verde em 2012) apontando, após os dois primeiros anos, que a inadimplência era cinco vezes menor do que a média do mercado de crédito. Ainda, ressaltou que o Rabobank Brasil já constatou há muitos anos que clientes com maior nível de risco socioambiental apresentam taxa de inadimplência maior no crédito (ver estudo aqui) e inclusive inseriu a avaliação de risco socioambiental na definição da taxa de juros.
A seguir, Luciane propôs tratarem de diversos pontos abrangidos na questão: como fazer uma taxonomia consistente e de impacto?
O primeiro ponto abordado foi a questão de se restringir a aspectos ambientais apenas ou abordar também aspectos sociais. Segundo ela, questões sociais não devem ser colocadas em segundo plano num país com o perfil socioeconômico do Brasil. Assim, não basta evitar que impactos sociais negativos sejam causados (como na taxonomia da UE). É preciso também aproveitar as sinergias, de modo que sejam mapeadas atividades que gerem benefícios ambientais e sociais ao mesmo tempo, e para isso é preciso também abordar aspectos sociais. Citou o exemplo do México nessa matéria, pois a taxonomia que lá está sendo elaborada abrange alguns ODS ambientais e também sociais. Maria e Fujihara concordaram que isso é essencial na América Latina e Maria deu o exemplo da África do Sul, onde o governo vem considerando uma política de transição sustentável “justa” agregando os aspectos sociais aos ambientais, já que uma taxonomia focada apenas em objetivos climáticos traria riscos sérios de redução de empregos em algumas regiões de produção de energia a partir do carvão, onde não haverá criação proporcional de empregos na geração de energia renovável. Fábio ponderou que seria muito complexo se definirem indicadores de impacto social, ao que Luciane lembrou que, no campo dos investimentos de impacto, há muito tempo já há indicadores definidos, por exemplo, pelo IRIS (Impact Reporting and Investment Standards) – e também é possível recorrer às métricas dos ODS.
O segundo ponto proposto foi se uma taxonomia deve abordar apenas impactos positivos ou também os negativos. Em primeiro lugar, Luciane lembrou que, para definir se uma atividade econômica gera impactos de fato positivos, tanto estes quanto os impactos negativos precisam ser mapeados, mesmo que a taxonomia seja só positiva (princípio do “do no significant harm”, na taxonomia da União Europeia; Positive Impact Finance, da UNEP-FI) – quanto a isso, não há controvérsia, é preciso se assegurar de que o saldo final seja positivo (e de forma significativo). Porém, esclareceu que, se o objetivo da taxonomia vai além de um mero crescimento verde pontual e visa alinhar a economia como um todo, é preciso classificar também atividades com impacto negativo relevante, pois de nada adianta aumentar o fluxo de recursos para atividades com impacto positivo se aquelas com impacto negativo continuam crescendo. E para focar na economia como um todo, a relevância do setor na economia do país deve ser um critério (setores com maior participação no PIB, por exemplo), aliado à consideração do impacto ambiental ou social mais relevante – ela citou como exemplo a taxonomia de atividades para mitigação e adaptação às mudanças climáticas da UE, em que foram incluídos os setores econômicos com maior volume de emissões de gases com efeito estufa, pois qualquer atividade/tecnologia capaz de reduzir emissões nesses setores merece ser enquadrada como atividade de impacto positivo. Ela citou o exemplo da taxonomia da Indonésia, em que foram mapeadas atividades classificadas como “vermelhas” (impactos negativos), “amarelas” (neutras) e “verdes” (impactos positivos) de acordo com o seu desempenho quanto a determinados indicadores-chave e esclareceu que, na taxonomia europeia, está definido que haverá também uma taxonomia de atividades com grau de risco ou impactos negativos indesejáveis. Maria ressaltou que as metodologias de análise de impacto negativo e positivo podem ser diferentes e que o processo de reconciliar essas metodologias pode ser complexo. Ela ainda lembrou que há sempre maior resistência ao desenvolvimento de listas negativas e maior dificuldade política para desenvolver o mapeamento de atividades com impactos negativos.
O terceiro ponto foi a questão de elaborar uma taxonomia binária ou com “vários tons”. Luciane lembrou que os impactos (positivos ou negativos) devem ser mensuráveis e que é preciso identificar as atividades econômicas com impactos ambientais e sociais mais relevantes. Além disso, cabe identificar indicadores-chave por setor econômico, começando pelos setores que têm maior participação no PIB/na pauta de exportações/geram mais empregos (diretos ou indiretos). Conforme o desempenho da atividade de acordo com cada indicador, ela pode ser enquadrada em diferentes categorias de “verde” ou de “vermelho”. Ela sublinhou que essa questão dos tons é muito relevante para orientar a transição, sobretudo pensando que bancos e investidores institucionais certamente possuem diversas empresas tradicionais em suas carteiras e que não vão mudar seus modelos de negócios de uma hora pra outra. Ademais, o modelo binário adotado, por exemplo, na União Europeia gerou uma corrida de lobbies para incluir atividades bastante questionáveis (como energia nuclear) na taxonomia, já que existe um enorme apetite de investidores institucionais para investir em atividades classificadas como “verdes”. Assim, perdeu-se enorme tempo e energia discutindo sobre atividades polêmicas (com impactos positivos mas também negativos, ou pelo menos grandes riscos), ao passo que atividades com múltiplos benefícios ambientais (e mesmo sociais) não chegaram a ser incluídas. Todos concordaram que o modelo com vários níveis é mais adequado para apoiar a transição gradual para uma economia sustentável, sendo que Maria lembra ainda da necessidade de proporcionalidade dos incentivos e de se estabelecer prazos para essa transição.
O quarto ponto proposto foi se basta olhar o setor econômico ou é preciso lembrar que o impacto varia conforme o local. Luciane defendeu que é preciso identificar o grau de vulnerabilidade ambiental e social de cada localidade – essa vulnerabilidade afeta tanto o impacto negativo quanto o impacto positivo. É possível pensar em uma classificação por microbacia hidrográfica, por exemplo. Além disso, ela entende que os impactos da cadeia de valor também precisam ser considerados. Todos concordaram com a relevância do local, mas Maria e Fujihara apontaram a importância e complexidade de mapear os impactos na cadeia de valor. Luciane lembrou que é preciso atentar para a materialidade/relevância, pois em alguns setores o impacto está num elo específico da cadeia, como é o caso da agropecuária, em que os riscos de desmatamento residem especificamente nos produtores rurais.
Em várias das questões propostas, os debatedores convidados ponderaram sobre o peso do contexto político e todos concordaram (inclusive a anfitriã) que há muitas questões técnicas complexas envolvidas – razão pela qual Luciane defende um modelo bastante participativo de elaboração de eventual Taxonomia no Brasil, com ampla participação de entes públicos (reguladores financeiros, ambientais e sociais), privados (setor financeiro e setor produtivo/economia real), instituições do terceiro setor e instituições científicas.
O último ponto proposto para debate foi: por onde começar? Luciane defende que, em primeiro lugar, é preciso começar pelas questões incontroversas, ou seja, fazer o mapeamento de setores/tecnologias com maior impacto positivo (há muitas tecnologias que podem ser aplicadas a vários setores – ex.: eficiência energética; eficiência hídrica; gestão de resíduos), bem como de setores/tecnologias com maior risco ou impacto negativo, começando pelos setores com maior participação na economia. Fujihara concordou que é preciso começar por aquilo que é mais evidente e Maria salientou que, sobretudo, é preciso começar!
Além disso, é necessário mapear áreas com maior vulnerabilidade ambiental social e com maior potencial para impacto positivo. No que diz respeito à relevância da localização, ela aproveitou para lembrar que a TNFD lançou essa semana o primeiro protótipo e que a questão da localização das atividades econômicas e de sua cadeia de valor recebe grande destaque – e todos os stakeholders que assim desejem podem contribuir na plataforma interativa que foi lançada: https://tnfd.global/tnfd-framework/
Também houve questões dos participantes sobre a taxonomia elaborada pela FEBRABAN, seus pontos positivos e limitações. Luciane salientou que seria bastante importante um esforço coletivo na construção de uma taxonomia única no Brasil a fim de que todos os atores interessados deem conta da complexidade da tarefa de desenhar uma referência de para onde se pretende que a economia deve caminhar – quadro que deve ser permanentemente atualizado de acordo com a evolução tecnológica. As taxonomias servem também para evitar greenwashing (risco grande quando são as próprias instituições financeiras que definem o que é “verde” ou “social”), bem como para medir progressos em relação ao desenvolvimento sustentável e para criar sinergias no próprio mercado.
Para ver os slides utilizados, clique 6o. BIS. Para assistir à gravação integral do evento, clique aqui.