Na segunda-feira, 17 de fevereiro, a Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) realizou uma live para divulgar os resultados da segunda avaliação de bancos comerciais e cooperativos no âmbito do RASA, o Ranking da Atuação Socioambiental de Instituições Financeiras, dois anos após a primeira, ocorrida no fim de 2022. No evento, Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica da SIS apresentou a metodologia e as fontes de informação utilizadas para a criação do ranking e quais foram os principais resultados do novo estudo, destacando alguns avanços em relação ao ciclo anterior.
Nesta segunda avaliação, doze bancos comerciais e cooperativos foram avaliados, dois a mais do que no ciclo anterior. Foram incluídos dois novos bancos de atuação regional: o Banco da Amazônia (BASA) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), pois embora tenham um forte papel no fomento ao desenvolvimento, esses bancos são classificados como bancos comerciais. Além deles, foram reavaliados os sete maiores bancos brasileiros (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú, BRADESCO, Santander, BTG Pactual, Banco Safra), os dois principais bancos cooperativos (SICOOB e SICREDI) e o Rabobank, que se destaca no setor do agronegócio e é frequentemente citado como referência em boas práticas ASG quando comparado aos demais bancos.
Em relação à metodologia utilizada, Luciane destacou que o RASA tem uma semelhança com o Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), uma coalizão liderada pelo IDEC que avalia políticas bancárias em diversos países. No entanto, vai além ao considerar cinco outras dimensões: gestão de riscos (abrangendo identificação, monitoramento e ações de mitigação de riscos e relevância da avaliação no processo decisório), composição do portfólio (setorial, localização, perfil de risco das empresas), produtos financeiros de impacto ambiental e social positivo, governanças, financeiros e envolvimento em controvérsias socioambientais. Uma das mudanças metodológicas desta edição foi o cálculo do peso de crédito e de investimentos na nota final considerando o valor real das respectivas carteiras de cada banco (na edição anterior, foi considerada a média do mercado brasileiro, com crédito tendo o dobro do peso dos investimentos).
Um dos pontos destacados por ela ao apresentar os resultados foi a baixa cobertura do universo de transações financeiras com setores de risco. O Banco do Brasil, por exemplo, divulga que a avaliação de risco socioambiental só ocorre para transações de valores superiores a R$10 milhões e a Caixa Econômica, para valores superiores a R$8 milhões. Também chamou a atenção para a insuficiência das bases de dados socioambientais consultadas pelos bancos para fazer a avaliação de riscos, bem como para a baixa transparência na divulgação de diversos temas, como a relevância da avaliação socioambiental no processo decisório (resultando em negativas de crédito ou de investimentos, ou decisões de desinvestimento), o perfil de risco socioambiental das empresas que compõem o portfólio das instituições, o percentual que os produtos financeiros de impacto positivo representam na composição dos portfólios ou detalhes sobre a governança da sustentabilidade (como o peso que os fatores ASG possuem na remuneração de Diretores e gerentes). Luciane também criticou a falta de publicação de políticas setoriais pelos bancos, explicando que a consideração de indicadores-chave de desempenho por setor econômico é uma das chaves de uma avaliação socioambiental e climática robusta.
Para o item envolvimento em controvérsias, ela explicou que as fontes utilizadas são as bases de dados do Ministério Público (Federal, Estadual e do Trabalho); bases de dados consumeristas/regulatórias do Banco Central do Brasil, Ministério da Justiça – SINDEC e PROCONs; e notícias na imprensa.
Os relatórios completos da segunda avaliação do RASA podem ser acessados aqui
O primeiro debatedor convidado, Marcos Woortmann, do IDS, destacou a relevância do trabalho desenvolvido e a robustez do RASA como instrumento de transparência e avaliação rigorosa de áreas imprescindíveis em um cenário de mudanças climáticas, crise democrática, desigualdades e outras crises civilizacionais. Ele ressaltou que o RASA se diferencia por ser um indicador que está alinhado aos pressupostos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), trazendo um panorama mais amplo da realidade, por incluir também os impactos negativos nessa agenda.
Woortmann sugeriu que os relatórios do RASA sejam apresentados a diretores e acionistas, ampliando seu impacto e potencial de transformação. Também reforçou a importância de conectar os achados do RASA e suas derivações (diagnósticos e receituários) às discussões da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), que aconteceu em Baku. No que diz respeito às estratégias e planos governamentais, mencionou o Plano Clima, fundamentado em uma transição energética e ecológica, e a necessidade de articulação com instrumentos como o Eco Invest Brasil, o Fundo Clima, a Taxonomia Sustentável Brasileira, além do mercado de carbono e outras diretrizes integradas ao planejamento governamental. No entanto, alertou que essas estratégias, por focarem na geração de impacto positivo, cobrem apenas metade do problema, sendo necessário desenvolver mecanismos que restrinjam práticas que contribuem para a degradação ambiental e social.
A debatedora Giovanna Valentim, da Conectas Direitos Humanos, trouxe contribuições sobre o GBR. Para ela, tanto o GBR quanto o RASA são ferramentas fundamentais para a sociedade civil, permitindo identificar interlocutores, pautas prioritárias e estratégias para construir relações mais saudáveis com o setor bancário, e eles apresentam resultados parecidos inclusive em termos de pontuação. Giovanna também enfatizou o papel da Conectas na análise de direitos humanos, meio ambiente e mudanças climáticas dentro do GBR, aspectos que, apesar de integrarem a agenda ASG, não são priorizados. Sobre a governança socioambiental dos bancos, mencionou que chama atenção a pouca transparência nesse tema fundamental para avaliar a capacidade institucional de uma instituição implementar suas políticas.
Outros participantes também contribuíram com questões e reflexões sobre o avanço na agenda ASG. Karina Feliciano, do IDEC, apontou a necessidade de ampliar a transparência de relatórios e informações públicas, incluindo detalhes sobre metas e comprovações de sua efetividade. Thaís Bannwart, do Greenpeace Brasil, levantou um questionamento sobre a compatibilidade do capitalismo com a regulação socioambiental, considerando sua lógica de maximização do lucro. Luciane Moessa respondeu que, se bem administradas, essas iniciativas não comprometem a lucratividade, embora exijam mais trabalho e ações de capacitação. Defendeu a necessidade de mais regulação e capacitação, inclusive na administração superior, e maior transparência de dados ambientais para uso do setor financeiro.
Marcos Woortmann finalizou sua participação, destacando que a área ambiental tem sido vítima de retrocessos, tornando essencial a firmeza da sociedade civil e a ocupação de espaços multilaterais. Alertou para a importância de decisões diárias concretas, como a escolha de instituições bancárias alinhadas a práticas sustentáveis. Também mencionou que o negacionismo e a desesperança são estratégias a serem combatidas, pois processos podem ser corrigidos e revertidos quando há informação bem construída, como as geradas pelo RASA e redes da sociedade civil. Já Giovanna reforçou que a construção de dados é um esforço coletivo para viabilizar caminhos de ação conjunta. Ressaltou que as iniciativas individuais das organizações, ao se interconectarem, criam redes mais amplas e eficazes, onde decisões individuais (tais como as de consumo de serviços financeiros) podem se transformar em movimentos coletivos de impacto significativo.