Discussões em torno da COP27 e de atuação coletiva para dar conta de desafios comuns pautaram a participação dos debatedores no painel “A corrida para a descarbonização da economia global”. A segunda edição do Seminário Mudanças Climáticas foi realizada pela Folha de São Paulo no dia 01/12, com mediação da repórter Ana Carolina Amaral, e contou com a participação da fundadora da SIS, Luciane Moessa.
Para o economista José Eli da Veiga, Professor do Instituto de Estudos Avançados da USP, as Conferências do Clima da ONU não tem contribuído para solucionar a crise climática. Ele lembrou que a Convenção do Clima foi assinada em 1992 e já reconhecia a importância de abandonar as energias fósseis – e “30 anos depois, na COP27, não é possível escrever lá que os países devem abandonar o petróleo, o carvão, etc… pode haver um balanço pior?”, questionou. Ele sustenta que a estratégia de buscar um consenso global logo de início não é factível – esse consenso deveria ser buscado inicialmente apenas entre os países que são grandes emissores de gases de efeito estufa, assim como foi feito no tratado relativo à proteção da camada de ozônio, que foi o tratado ambiental mais bem sucedido de todos os tempos, mas começou com um número pequeno de países que mais contribuíram com a produção ou uso de substâncias que causavam dano à camada de ozônio.
Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), acredita que deveria estar se falando muito mais de adaptação às mudanças climáticas, não apenas de mitigação, já que as mudanças estão muito evidentes e aumentando de intensidade a cada ano. Além disso, pontuou ela, trazendo o tema para a missão da SIS, que é alinhar o sistema financeiro ao desenvolvimento sustentável: “Eu vejo que a transparência tem aumentado, o tema tem estado cada vez mais presente nos discursos, mas acho que o setor financeiro, que financia em média dois terços da nossa economia, tem feito muito menos do que poderia para dar conta dessa transição para uma economia de baixo carbono, da qual nós tanto precisamos para assegurar que o planeta continue tendo condições habitáveis para nós, seres humanos”.
Na opinião de Marina Grossi, Presidente do CEBDS, o balanço da última COP foi positivo. Segundo ela, o setor privado e a sociedade civil foram muito atuantes. E no processo de transição para a economia de baixo carbono, Marina apresentou a recém lançada Plataforma Net Zero – um programa do Conselho que oferece apoio para empresas na implementação de processos de descarbonização.
O 6º. Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que as emissões de gases de efeito estufa precisam cair 43% até 2030 para poder limitar o aquecimento global e ter a chance de manter ao alcance o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris. O embaixador da União Europeia no Brasil, Ignácio Ibañez, comentou que, apesar dos desafios que a UE enfrenta, com invernos rigorosos e a guerra na Ucrânia, a UE pretende reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, principalmente vindos da Rússia, e, apesar do limite estipulado pelo plano intergovernamental, afirmou: “nós vamos fazer um esforço adicional e chegar até 57%”. Entre as apostas do bloco para atingir a meta, o embaixador destacou ações como buscar novos parceiros para aumentar a eficiência energética, o mercado de carbono e os chamados mecanismos de ajuste em fronteira sobre o carbono, para os países que não fizerem o esforço de redução das suas emissões. Além disso, ele abordou a nova regulação da União Europeia, que proíbe importações de commodities vinculadas ao desmatamento, seja ele legal ou ilegal. A norma abrange corporações e o setor financeiro, e também vale para importações oriundas dos países da própria UE.
Já o Brasil adotou um compromisso formal de alcançar a neutralidade climática até 2050, mas, pelo quarto ano consecutivo, o desmatamento na Amazônia ultrapassou os 10 mil km². Os dados, coletados entre agosto de 2021 e julho de 2022, foram divulgados pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) no mês passado. A derrubada da floresta é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa. Durante a conferência no Egito, o presidente eleito Lula afirmou que a agenda climática será uma prioridade na sua gestão. O compromisso político com a pauta é um termômetro para a negociação de um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. O acordo ainda não foi assinado por conta do alto índice de desmatamento no país.
Luciane comentou que é provável que muito desmatamento ilegal esteja sendo financiado no Brasil, seja via crédito ou mercado de capitais, porque as instituições financeiras não utilizam base de dados de órgãos ambientais estaduais, mesmo quando elas estão disponíveis online (como é o caso dos Estados do Pará e Mato Grosso), para verificar áreas embargadas – e a causa mais comum de embargos de imóveis rurais é justamente o desmatamento ilegal. “A SIS está concluindo um mapeamento das bases de dados consultadas no contexto do gerenciamento de riscos socioambientais por bancos brasileiros e tudo indica que eles não consultam bases de dados estaduais, sendo que a maior parte dos embargos é realizada por órgãos estaduais, não pelo IBAMA (no Mato Grosso, por exemplo, a proporção é dez vezes maior para a esfera estadual em comparação à federal). Além disso, o único banco que tem compromisso de não financiar desmatamento nem ilegal, nem legal, como está previsto nesta nova regulação da EU, é o Rabobank. Infelizmente nenhum banco brasileiro ou outro banco que atua no país ainda assumiu um compromisso semelhante”. Luciane é idealizadora e coordenadora do Ranking da Atuação Socioambiental de Instituições Financeiras (RASA). Os resultados do projeto serão divulgados em breve.
A Presidente do CEBDS também destacou outro ponto positivo da COP – “pela primeira vez foi decidido que o sistema financeiro tem que se transformar”, disse. Um projeto de decisão política, publicado nas negociações climáticas, pede que os bancos multilaterais de desenvolvimento e as instituições financeiras internacionais sejam reformados e alinhem seus gastos às metas climáticas.
Durante o debate, Veiga fez questão de enfatizar que o processo climático não é linear, e chamou a atenção para a falta de embasamento científico para o conceito de Net Zero, que na realidade se assenta na compensação das emissões via compra de créditos de carbono.
Para Rafael Tello, Diretor de Sustentabilidade da AMBIPAR, o Net Zero tornou-se um grande objetivo, mas ainda não é claro para boa parte das organizações que trabalham com o tema. “Se conseguirmos avançar para a cooperação e para uma agenda comum, teremos a capacidade de realmente avançar para um protagonismo mais do que político, mas econômico, dentro de uma economia de baixo carbono.”
O vídeo do Seminário da Folha sobre Mudanças Climáticas está disponível na página da SIS no YouTube e também aqui.