Luciane Moessa começou apresentando o primeiro relatório conjunto publicado pelos dois paineis científicos das Convenções globais de Mudanças Climáticas (IPCC) e Biodiversidade (IPBES) em junho de 2021, o qual começa por mostrar como a degradação da biodiversidade e as mudanças climáticas estão mutuamente relacionadas. Primeiro, as mudanças climáticas estão entre as cinco maiores causas de degradação da biodiversidade (ao lado de poluição, conversão do uso da terra e do mar, exploração excessiva de recursos naturais e espécies invasivas), sendo que o seu peso, comparado às demais causas, vem aumentando, juntamente com a conversão do uso da terra. Segundo, a degradação da biodiversidade é, logo depois das emissões de gases com efeito estufa, a segunda grande causa das mudanças climáticas, seja por conta da perda de fontes naturais de captura de carbono (florestas, mangues, pântanos, oceanos, etc), seja porque alguns desses ecossistemas também influenciam no ciclo da água, nitrogênio e carbono. Em seguida, ela mencionou alguns exemplos de interações negativas entre mudanças climáticas e biodiversidade que demonstra essa mútua influência.
A seguir, Luciane retirou do relatório alguns exemplos de riscos de uma abordagem isolada, como a restauração florestal em larga escala (para fins de captura de carbono) feita com espécies exóticas, que pode causar prejuízos à biodiversidade. Também o plantio de biocombustíveis oferece riscos em determinadas condições, e a extração de minerais para produção de determinadas formas de energias renováveis tem impactos negativos na biodiversidade, sem mencionar a questão da destinação de baterias elétricas e paineis solares.
Depois, ela abordou diversos exemplos de interações positivas, demonstrando como a preservação da biodiversidade contribui na mitigação das mudanças climáticas (por exemplo, mangues capturam 4 vezes mais carbono do que florestas; pântanos reduzem o risco de enchentes; florestas preservam curso hídricos e regulam o regime de chuvas; sistemas agroflorestais reduzem o uso de fertilizantes e assim a emissão de gases com efeito estufa) e também na adaptação a elas (mangues aumentam a resiliência a desastres climáticos nas zonas costeiras; sistemas agroflorestais reduzem o consumo de água; pântanos costeiros e recifes de coral protegem contra os efeitos de tempestades e elevação do nível do mar).
Ela também mencionou como uma abordagem integrada (clima/biodiversidade) reduz a dimensão dos espaços territoriais que precisam ser preservados/restaurados, citando um estudo do UNEP/WCMC publicado em 2020 que fez um mapeamento global nesse sentido, incluindo áreas com maiores estoques de carbono e áreas com maior biodiversidade. Automaticamente, essa integração reduz o custo das medidas e o tempo necessário para que medidas mitigatórias e adaptativas produzam efeitos, além de evitar que ambos os problemas aumentem justamente quando soluções estão sendo trabalhadas, porém de forma isolada. Os slides utilizados por Luciane Moessa estão disponíveis aqui: Conexões entre clima e biodiversidade
Em seguida, o primeiro debatedor, Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia carbono zero no Instituto Clima e Sociedade, começou destacando que o conteúdo dos relatórios do IPCC não é a ciência mais recente ou avançada, mas sim uma grande compilação de conclusões que já se tornaram consensuais no meio científico por serem suportadas por inúmeras pesquisas – muitas de algum tempo atrás.
Nesse último relatório, sobressai, por exemplo, que os impactos das mudanças climáticas já estão sendo observados no planeta com maior intensidade e frequência, de modo que não há mais dúvida sobre o peso das atividades humanas na mudança do clima nos últimos dois séculos, sobretudo nas últimas cinco décadas. Por outro lado, o relatório salienta que ainda existem substâncias poluentes (aerossóis) que mitigam o aquecimento, que poderia ser ainda maior. Naturalmente, a poluição traz consigo outros malefícios.
Sobre o tema do BIS, Gustavo comentou que essa interação entre mudanças climáticas e biodiversidade historicamente recebeu bem menos atenção que o estudo dos mecanismos físico-químicos relativos às emissões de gases com efeito estufa. As diversas formas de captura de carbono e o papel da biodiversidade na regulação climática ainda precisa ser cada vez mais aprofundado.
Por último, o segundo debatedor convidado, Fábio Alperowitch, da Fama Investimentos, salientou que, quanto ao tema da biodiversidade, existe um grande desconhecimento no mundo corporativo e no mercado financeiro. Sobre clima, o nível de conhecimento dos riscos também é muito raso, e a maioria dos investidores acaba adotando metas de longo prazo, postergando decisões necessárias nesse momento para viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono. Ele também expressou um certo ceticismo em relação aos mercados de carbono, por privilegiar um enfoque excessivo em compensações quando deveríamos focar em primeiro lugar na redução de emissões GEE. Em suma, ele vislumbra que o nível de consciência e de ação está muito aquém do necessário.
Nos debates, Jorge Gildi, do Banco do Brasil, indagou sobre métodos de avaliação econômica de ecossistemas, e Gustavo referiu que lhe parece haver ainda uma grande imprecisão nas metodologias.
Marta Bandeira, do BNDES, relatou que há muitos projetos de plantação de eucaliptos no Brasil sendo vendidos como “verdes” em razão dos benefícios climáticos, mas os impactos na biodiversidade terminam por ser completamente ignorados.
A anfitriã concluiu que precisamos ter muita cautela na elaboração de Taxonomias Verdes e que é preciso seguir o exemplo da taxonomia europeia, que proíbe que qualquer atividade com um determinado benefício ambiental e que produza ao mesmo tempo um dano relevante em outro aspecto ambiental possa ser incluída.
Veja aqui a gravação integral do 4o. BIS.