No âmbito do projeto que vai elaborar contribuições para uma Taxonomia Verde brasileira, nessa segunda-feira, dia 24 de outubro, o Bate-papo Inclusivo e Sustentável da SIS, moderado pela Diretora Executiva e Técnica da organização, Luciane Moessa, contou com a presença de três grandes especialistas em produtos agrícolas chave para a economia brasileira e que ao mesmo tempo apresentam os maiores riscos socioambientais (a começar pelo desmatamento), e um grande expert em agricultura regenerativa.
Alice Thuault, Diretora Executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), que atua em Mato Grosso, apresentou dados muitos relevantes sobre o setor de soja e seus vínculos com o desmatamento, bem como sobre a evolução recente do desmatamento em Mato Grosso. Em primeiro lugar, ela apresentou dados do “Monitor da fiscalização”, do MapBiomas, que indicam que, em Mato Grosso, a fiscalização estadual atua em quase 62% dos casos em que ocorre alerta de desmatamento (ao passo que a federal atual em menos de 10% do mesmo universo), sendo que o número total de autuações por infrações ambientais aumentou mais de 500% entre 2018 e 2021, mas ainda assim o desmatamento aumentou 48% no mesmo período. Em razão disso, ela aponta que é necessário que o setor privado também atue. Outro estudo do ICV (2021) constatou que 85% do desmatamento é ilegal e que 63% ocorre em imóveis registrados no CAR. Estudo publicado pelo ICV no início de 2022 mostrou que, entre agosto de 2008 e julho de 2019, 92% do desmatamento em imóveis com soja foi ilegal, sendo que menos de 200 imóveis rurais concentraram metade de todo o desmatamento ilegal associado à soja. O estudo faz algumas recomendações para evitar, por exemplo, o fenômeno da “lavagem de grãos”, em que a produção em imóveis nos quais houve desmatamento ilegal é vinculada a notas fiscais emitidas por proprietários de imóveis em que isso não ocorreu: é preciso adotar índices de produtividade e criar um banco de dados que concentre as informações de compras das diferentes empresas e indique os produtores que atingiram o limiar da produção esperada em função do tamanho da área produtiva. Além disso, tendo em vista que o número de autuações por desmatamento ilegal e de embargo de áreas é mais de dez vezes superior na esfera estadual comparado à esfera federal em MT, é fundamental que os dados estaduais também sejam consultados. Ela também divulgou três instrumentos de monitoramento do ICV: o “Monitor das queimadas”, o “Monitor da exploração florestal” e o “Monitor do desmatamento”. Para ver os slides utilizados pela Alice, clique aqui.
Raoni Rajão, Professor Doutor da UFMG ligado ao LAGESA (Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais) e Vice-coordenador do CSR (Centro de Sensoriamento Remoto), apresentou alternativas de sistemas de transparência de dados ambientais para a pecuária, apontando os limites da certificação privada, que normalmente tem custo alto e pouca credibilidade devido ao confronto com casos em que as empresas certificadas são identificadas em situações que não correspondem ao que foi atestado pela certificação, cuja metodologia e fontes dos dados nem sempre são transparentes. De outro lado, sistemas de transparência de base pública, como o chamado Selo Verde, desenvolvido no âmbito do Estado do Pará, podem integrar bases de dados públicas com muito maior credibilidade, e sem custo para os produtores rurais. O “Selo Verde” basicamente integra as informações constantes das GTAs (Guias de Transporte Animal) com as que constam do CAR (Cadastro Ambiental Rural) e, num terceiro momento, haverá integração também com as notas fiscais relativas à compra de produtos agrícolas. Para que essa integração ocorra, basta que o número do CAR do imóvel conste da GTA. O CAR, se explorado em todo seu potencial, pode conter, além da localização do imóvel e identificação de irregularidades fundiárias (como ele já contém), dados do INPE sobre desmatamento, informações sobre embargos e multas ambientais, autorizações de supressão de vegetação e mesmo listas de fornecedores (com respectivo número do CAR do imóvel destes), já que é comum que o gado passe por diversas propriedades. Iniciativas como essa reduzem enormemente os custos de transação e simplificam o monitoramento pelos frigoríficos que adquirem carne bovina (e por seus respectivos clientes), por bancos ou investidores que desejem monitorar a cadeia de produção de empresas tomadoras de crédito ou receptoras de investimentos e quaisquer outros stakeholders. Para ver os slides utilizados por ele, clique aqui.
Beto Mesquita, Diretor de Florestas e Políticas Públicas na BVRio, apresentou um pouco do trabalho da instituição sem fins lucrativos, que busca fomentar soluções de mercado para uso sustentável do solo e economia circular, atuando hoje em 6 países e com uma equipe de 26 pessoas e os seguintes projetos: Portal de Monitoramento do Código Florestal, o PlanaFlor, Due diligence e análise de risco para madeira tropical, Circular Action Hub, SIMFlor (Suporte de Implementação do Código Florestal), que remunera excedente de reserva legal, e por fim a Responsible Commodities Facility, que concede financiamento para soja com desmatamento zero. No que diz respeito ao setor florestal, Beto explicou que existe uma grande diferença entre duas grandes formas de atuação: a) manejo florestal (que se faz com espécies nativas e se destina à obtenção de madeira); b) plantação de árvores (para produção sobretudo de papel e celulose). Em relação ao manejo, hoje se coloca também a restauração como uma alternativa que pode oferecer maior viabilidade financeira, um grande desafio num setor que se caracteriza por mais de 85% de ilegalidade no Brasil (por diferentes motivos, como a extração de áreas protegidas, a ausência de manejo adequado, fraudes na documentação, etc) e também pelo ciclo longo de produção. Outro desafio importante é a necessidade de diversificação da demanda, para reduzir a pressão excessiva por determinadas espécies, assim como a necessidade de garantir o protagonismo das comunidades locais e sua participação nos benefícios gerados. Com relação ao manejo de florestas nativas (que se caracteriza pela observância de técnicas de extração adequadas e limites no volume da exploração), Beto apontou como indicadores-chave os seguintes: a) hectares de floresta sob manejo sustentável e efetivamente protegidos; b) renda oriunda da comercialização de produtos madeireiros e não-madeireiros resultantes de manejo sustentável (total, incremento anual e comparação com cenário sem manejo sustentável); c) número de postos de trabalho diretos e indiretos gerados pelo manejo (total e proporcional, comparado com outras atividades); d) espécies ameaçadas efetivamente protegidas pelo manejo sustentável; e) impactos positivos e negativos sobre os serviços ecossistêmicos disponíveis nas florestas sob manejo; f) renda e/ou benefícios obtidos com compensações pelos serviços ambientais prestados. Para florestas plantadas, ele apontou como indicadores-chave: a) impactos positivos e negativos sobre os serviços ecossistêmicos nas paisagens com plantações de árvores; b) relação área plantada X área de vegetação nativa remanescente ou restaurada; c) proporção de fornecimento de terceiros; d) área destinada à restauração florestal; e) conversão de áreas de vegetação nativa; f) participação da população local nos postos de trabalho diretos e indiretos gerados; g) geração de tributos em escala regional; h) balanço de carbono. Ele também mencionou como referência importante de indicadores as certificações FSC e PEFC, mundialmente utilizadas e reconhecidas, além de diversas publicações técnicas da Diálogo Florestal. Para ver os slides utilizados pelo Beto, clique aqui.
Por fim, Felipe Villela, sócio-fundador da ReNature, uma empresa com sede na Holanda e atuação global com projetos sobretudo no hemisfério Sul (América Latina, África e Ásia), discorreu sobre Agricultura regenerativa, um sistema de produção que se caracteriza por preservar a capacidade de produção do solo em sua plenitude, com quatro características básicas: a) cobertura do solo (variando desde vegetação de menor porte até o uso de árvores para gerar sombra sobre culturas permanentes); b) rotação de culturas/diversificação; c) plantio direto (no lugar da aragem); d) uso de insumos biológicos (tanto fertilizantes quanto pesticidas). Além dos benefícios ambientais relacionados à conservação da biodiversidade, o sistema traz inúmeros benefícios econômicos: a) resiliência climática (menor risco de secas, por exemplo); b) menor custo de insumos; c) menor volatilidade financeira; d) créditos de carbono de maior valor; e) acesso a um mercado disposto a pagar preços “premium”. A ReNature oferece serviços para planejar, de acordo com a vocação produtiva do local, sistemas de produção agrícola regenerativa, e também sistemas de monitoramento e avaliação de projetos de tais projetos, incluindo indicadores de impacto social, tal como no TAPE (Tools for Agroecology Performance Evaluation), da FAO. Ele também mencionou uma nova ferramenta que está sendo desenvolvida pela ReNature, que é o scorecard regenerativo, para definir parâmetros que podem repercutir no preço de produtos agrícolas, conforme o número/abrangência de técnicas regenerativas adotadas. A Renature tem atendido empresas como a Nestlé (com a produção regenerativa de café), Danone e muitas outras e tem como missão tornar a agricultura regenerativa mainstream em nível global.
Durante os debates, Sofia Zanella Carra, Doutoranda em Ciências Agrícolas pelo DAAD, na Alemanha, indagou como os convidados veem a proposta que Luciane Moessa defende relativa à inclusão da consideração do local das atividades econômicas numa Taxonomia Verde, levando em conta, por exemplo, o bioma. Beto Mesquita respondeu que entende que os indicadores podem ser os mesmos para todo o Brasil, para cada atividade econômica, mas sem dúvida os parâmetros podem e devem ser alterados, podendo ser adotado o conceito de “paisagem”, mais específico do que o de bioma, para definição dos espaços em que deve ser realizada tal adequação.
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