No dia 31 de agosto, a Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) publicou os resultados do Ranking da Atuação Socioambiental de seguradoras, que avaliou o quanto elas incorporam (ou não) fatores ambientais, sociais e climáticos tanto na gestão de seus investimentos quanto na oferta de produtos de seguros. Os resultados se baseiam numa coleta de informações públicas em diversas fontes, como os websites das próprias seguradoras, os questionários CDP e ISE daquelas que respondem, os formulários de referência que as seguradoras que acessam o mercado de capitais brasileiro precisam apresentar à CVM, os relatórios que elas apresentam ao PSI e ao PRI, para as que são signatárias, além de uma oportunidade para que, no prazo de 3 semanas, as seguradoras verifiquem as informações coletadas por elas e enviem outras informações relevantes, à luz da Metodologia do RASA. Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica da SIS, apresentou os diversos itens avaliados (cobertura temática das Políticas, identificação, mitigação e monitoramento de riscos ASG, bem como relevância da avaliação de riscos ASG no processo decisório, composição dos portfólios de investimentos das seguradoras, oferta de seguros ou realização de investimentos com impacto ambiental, social ou climático positivo e governança da sustentabilidade) e lamentou que o desempenho tenha sido tão baixo, com a nota mínima pouco acima de 0,6 e a máximo de 12,6, numa faixa de 0 a 100. Como pontos positivos, ela mencionou que a BB Seguros já consulta várias bases de dados públicas sobre desmatamento ilegal e outros riscos socioambientais para o seguro agrícola, e algumas seguradoras começam a oferecer “seguros verdes” (como a Porto Seguro).
Do lado negativo, ela destacou a baixíssima transparência com relação à composição de portfólios de investimentos (seja quanto ao setor econômico, seja quanto à localização das atividades, seja quanto ao nível de risco socioambiental das empresas), a oferta ainda pequena de seguros para atividades “verdes” ou de impacto social positivo, a pequena cobertura temática das políticas (considerando o universo de 30 temas ASG avaliados), das bases de dados consultadas para avaliação dos riscos, a nenhuma transparência sobre a relevância deles no processo decisório (seja para seguros, seja para investimentos) e a pouca transparência também quanto ao tema da governança interna da agenda ASG. Ela deixou claro que o RASA não leva em conta os impactos ambientais e sociais das próprias instalações físicas das seguradoras nem suas atividades filantrópicas e destacou pontos positivos no desempenho de algumas seguradoras com controle estrangeiro no que diz respeito a monitoramento de riscos socioambientais (caso da MAPFRE, que ficou em primeiro lugar) e quanto à mitigação de riscos, normalmente via engajamento junto às empresas receptoras de investimentos, mas sem ações mais concretas, como a exigência de planos de ação com metas e prazos, tais como os planos de transição climática. Luciane salientou também que, com a entrada em vigor da Circular 666/2022, da SUSEP, espera-se um maior avanço nessa agenda e inclusive muito maior transparência na próxima avaliação, já que em 2024 deverão ser publicados os primeiros relatórios de sustentabilidade que deverão obedecer ao conteúdo mínimo previsto na norma. O principal propósito do RASA é provocar avanços das seguradoras nessa temática, tanto em nível individual quanto em todo o mercado – o que é bom para os negócios, para a sociedade e para o meio ambiente. Para ver os resultados individuais das seguradoras, clique aqui. Para ver os resultados por tema avaliado, visite www.rasa.org.br e vá para a coluna verde, à direita. Para resultados gerais, clique aqui e para ver a repercussão na imprensa, clique aqui.
O lançamento contou com a presença de 4 debatedores que enriqueceram muitíssimo o evento.
Tatiana Assali, Diretora de Programas na NINT, falou sobre o Investidores pelo Clima (IPC), iniciativa liderada por ela cuja missão é promover a descarbonização e resiliência dos portfólios de investidores brasileiros, contribuindo com seu alinhamento a um cenário de aquecimento global limitado a 1,5 grau centígrado. A CNSeg e algumas gestoras de investimentos do mesmo grupo de seguradoras são membros da iniciativa. Tatiana salientou que o setor de seguros, especialista em avaliação de riscos, é importante na agenda de transição para uma economia de baixo carbono, visto que a consideração de riscos climáticos é essencial na busca por ações de adaptação e mitigação. Mudanças climáticas (e uma de suas consequências, o aumento dos eventos climáticos extremos) já causam impactos negativos no setor de seguros, elevando a quantidade de perdas econômicas cobertas, como ela mostrou com várias notícias recentes de todo o planeta e dados sobre o aumento da frequência e intensidade desses eventos. Ela lembra que as seguradoras e resseguradoras são a última linha de defesa do mercado financeiro contra as mudanças climáticas. Por outro lado, novas oportunidades de desenvolvimento de produtos surgem, como a oferta de seguros baseados em parâmetros climáticos, os chamados seguros paramétricos, que não exigem a mensuração do danos, mas se baseiam na intensidade dos eventos climáticos que podem desencadear o pagamento e que têm sido usados para o setor agrícola no Brasil. A emergência climática também fomenta a inovação no setor: Tatiana cita como exemplo a iniciativa Sustainable Insurance Facility (SIF), que apoia o desenvolvimento de soluções de seguros inteligentes em termos climáticos para micro, pequenas e médias empresas. Ela mencionou ainda uma variedade de ferramentas e bases de dados que podem ser usadas pelo setor. Para ver os slides que ela usou na apresentação, com diversos hiperlinks para fontes consultadas, clique aqui.
Alexandre Mansur, Diretor de Projetos no Instituto O Mundo que Queremos, ressaltou que, no Brasil, o desmatamento é responsável por cerca de metade das nossas emissões de gases com efeito estufa, sendo que a grande maioria delas está associada à pecuária bovina (considerando-se que boa parte do plantio da soja é para ração animal). Para ele, “as seguradoras têm bons motivos para serem criteriosas em seus investimentos, já que o desmatamento é um dos principais riscos para mudanças no clima e no padrão de chuvas, o que tem gerado crescentes prejuízos na agricultura e na produção de energia. Além disso, o desmatamento coloca em perigo a reputação do Brasil e nossa capacidade para exportar e também está associado a uma série de crimes e atuação de quadrilhas na Amazônia, que transformaram a região em um centro de violência. Hoje as empresas que atuam na região – com energia, combustíveis, logística etc – têm cada vez mais enfrentado riscos de roubo de carga, invasões a instalações entre outros. As seguradoras, que arcam com o custo de tudo isso na forma de sinistros – podem agir para mitigar esse risco, usando as ferramentas existentes para tomar melhores decisões na hora de alocar seus recursos.” Uma das ferramentas para isso, sublinhou Alexandre, é o Radar Verde, indicador independente de rastreabilidade e transparência na cadeia da carne, que avalia o quanto esses frigoríficos comprovam que controlam suas cadeias para evitar desmatamento. E começará a partir deste ano a classificar a área de risco de cada um dos frigoríficos que atuam na Amazônia. O Radar Verde é realizado pelo Instituto Mundo Que Queremos e pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Já Letícia Lorentz, Coordenadora de Clima, Energia e Finanças Sustentáveis no Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), fez uma apresentação com o tema “Desafios do Setor Empresarial Brasileiro na Jornada Net Zero”. Ela falou sobre como a agenda climática está avançando no Brasil e no mundo, com estabelecimento de compromissos Net Zero, e como este cenário traz novos riscos para o setor empresarial brasileiro: riscos regulatórios, de mercado, financeiros, institucionais e corporativos. Ao mesmo tempo, surgem oportunidades relacionadas a créditos de carbono (o Brasil é o país com maior potencial de reflorestamento do mundo, com 10% do total do planeta), energia limpa (nossa matriz elétrica já é mais de 90% renovável), agricultura e indústria sustentáveis. Empresas brasileiras, cada vez mais, engajam-se em protocolos globais e planejam investimentos bilionários na jornada de transição para uma economia net zero – o Brasil é o 5º. país no mundo com mais empresas que respondem a questionários CDP e o número de empresas brasileiras comprometidas com a Science-Based Targets Initiative (que traz orientações para metas climáticas robustas) aumentou 16 vezes entre 2019 e 2022. Letícia apresentou uma demanda enorme de investimentos para descarbonizar o setor de combustíveis, construção civil e aumentar ainda mais a energia elétrica renovável, mas ponderou que os esforços de stakeholders do ecossistema para descarbonização não convergem em direção única, sendo primordial a coordenação do setor privado e público para que avanços estruturais aconteçam. Por fim, Letícia apresenta resultados de estudo realizado pelo CEBDS com empresas sobre suas jornadas climáticas: a maioria relata estar adiantada em seus planos de descarbonização, e citam como maiores desafios a incerteza nos avanços regulatórios, dificuldade de engajar cadeia de valor e ausência de referências setoriais locais. Letícia aponta que capacitação e mais transparência (como buscado pelo RASA) são as soluções necessárias. Ela também mencionou a importância das recomendações da Taskforce for Nature-related Financial Disclosures (TNFD), a serem publicadas em breve. Para ver os slides que ela usou na apresentação, clique aqui.
Carine Lacerda, Coordenadora de iniciativa Redirecionamento de Investimentos, no Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade (iCS), começou apresentando o iCS, uma organização filantrópica que contribui para a construção de um Brasil neutro em carbono, com crescimento econômico, justiça social e desenvolvimento sustentável, que atua como uma ponte entre filantropia internacional e nacional, e parceiros locais, como sociedade civil, academia e governos subnacionais e nacional. Na opinião dela, “o RASA, diferente de outros rankings anteriormente existentes, avalia o setor financeiro como um todo, abrangendo as diferentes categorias de instituições financeiras. Ele usa uma ampla gama de bases de dados públicas, permitindo a confrontação das informações divulgadas pelas IFs e avalia como elas estão realmente lidando com as questões ASG, e ainda interage com as instituições avaliadas. Isso permite a verificação da ação das IFs em direção às melhores práticas globais, e inibe a inação, guiando a cobrança por avanços e evitando a armadilha do greenwashing”. Quanto a esse ciclo, que avaliou as seguradoras, ela entende que, “em um período de discussão qualificada em direção a uma economia de baixo carbono, à tão falada transição ecológica, as seguradoras podem e devem participar dando as coberturas de seguro necessárias para atividades econômicas que viabilizam a transição. Abre-se a possibilidade de produtos de seguros verdes, que garantam riscos de atividades sustentáveis, e de investimentos verdes, podendo elas aplicar seus ativos em títulos sustentáveis, pois também são grandes investidoras – segundo a CNSeg, o setor gere R$ 1,8 trilhão de ativos no Brasil, correspondendo a cerca de 25% da dívida pública brasileira.”
Carine mencionou também um artigo científico recém publicado sobre a evolução das pesquisas sobre seguros climáticos, mostrando que o número de publicações sobre o tema está aumentando a uma média anual de 8,9%. Apesar da movimentação do mercado de seguros nessa direção, a oferta de seguros “verdes”/sustentáveis ainda é muito incipiente. Obviamente, aponta ela, isso é uma questão também de demanda e a implementação de apólices de seguro climático apresenta desafios distintos para cada país. Mas a oferta de produtos ainda se concentra em seguros agrícolas, seguros contra desastres naturais que atingem automóveis e residências, ciberataques, seguro de vida, e saúde em geral, enquanto há um mundo de oportunidades quando olhamos para os desafios decorrentes das mudanças climáticas. “Quando falamos em seguro florestal, por exemplo, há proteção para plantações tradicionais, como pinus, seringueiras e outras espécies comerciais. Mas não há seguros para viveiros florestais, que são fundamentais para atingirmos a meta brasileira de reflorestar 12 milhões de hectares de vegetação nativa, assumida no Acordo de Paris. Há alguma inovação em seguros de ecossistemas, mas ainda muito a se discutir.” Outro exemplo dado por ela foi o setor de seguros portuários, em que há hoje seguros para vendavais, ou decorrentes de poluição. Ela mencionou saber de apenas um caso, Porto de Paranaguá, que estava considerando avaliação de seguros paramétricos em sua operação.
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