Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica da SIS, participou do podcast Economia do Futuro, da jornalista Melina Costa. A conversa abordou o tema Taxonomia Verde/Sustentável, ou seja, sistema de classificação de atividades econômicas baseado em critérios ambientais (ou socioambientais).
Luciane destacou que há várias formas de se construir uma Taxonomia Verde; a maioria tem focado na consideração de critérios ambientais ou socioambientais apenas para identificar atividades que geram impacto positivo. Outras, principalmente no Sudeste asiático, identificam impactos tanto positivos quanto negativos, classificando atividades econômicas nos dois espectros (inclusive no “meio do caminho”, quando impactos positivos e negativos se equivalem ou quando se trata de atividade econômica de transição). O objetivo destas classificações é tentar influenciar o fluxo de capitais para atividades produtivas mais sustentáveis e retirar das que causam impactos negativos.
Outra questão importante para a construção de uma Taxonomia Verde diz respeito ao modelo escolhido. Ele pode ser binário (adotado por quase todas as taxonomias), que define uma atividade econômica como “verde” ou “não verde”, ou pode reconhecer que existem estágios, tanto para impactos positivos quanto para negativos. Luciane cita o exemplo da Taxonomia Verde da Colômbia, que identificou três estágios para seu setor agrícola: básico, intermediário e avançado. Usando a analogia com cores, empresas em cada um destes estágios apresentam um diferente tom de verde no sistema de classificação.
A Diretora da SIS defende o modelo que inclui impactos negativos, visto que toda atividade econômica tem variados impactos. A produção de energia solar, por exemplo, traz um benefício climático, mas, ao se fazer a análise de seu ciclo de vida, vemos que a matéria-prima usada na produção do painel solar, bem como a destinação dele, tem impactos negativos sociais e para a biodiversidade.
O modelo de Taxonomia Verde da União Europeia é binário, e um exemplo das contradições que isso gera, aponta ela, é que ele considera gás natural e energia nuclear equivalentes a energias renováveis (como a solar ou eólica, por exemplo). É claro que petróleo e gás natural não estão no mesmo patamar do carvão e petróleo, mas certamente não equivalem a solar e eólica. Isso mostra como é importante que haja modelos que reconhecem diversos estágios de impactos.
Outro exemplo da importância de se reconhecer estes estágios está no setor de mineração: o processo produtivo de extração de matéria-prima (que é necessária para alguns tipos de energia renovável) tem grandes impactos negativos (sociais e ambientais), além de riscos altos. Isso inclui impactos na biodiversidade e comunidades do entorno. Vale lembrar que isso também é um exemplo de como a localização da atividade econômica é um importante fator a se considerar na elaboração de uma Taxonomia Verde.
Luciane comenta sobre os pontos positivos e negativos do Plano de Ação para uma Taxonomia Sustentável do governo federal brasileiro, que foi apresentada durante a COP28 em 2023. É positivo o fato de o plano não focar apenas em objetivos climáticos (diferente de Taxonomias Verdes de outros países), incluindo desafios próprios da realidade de nosso país, como a preservação e restauração de ecossistemas, o combate à poluição e a redução de desigualdades de raça e gênero.
Outro ponto positivo são as salvaguardas: a premissa adotada é a de que, para serem consideradas como atividades econômicas verdes/com impactos positivos, devem ser cumpridos não apenas determinados tratados internacionais (como consta na Taxonomia da União Europeia), mas também todos os tratados ratificados pelo Brasil e a legislação nacional em matéria socioambiental e climática.
Já os pontos negativos são, segundo Luciane, a falta de inclusão de atividades com impactos negativos. O Ministério da Fazenda declarou que vai haver uma discussão no nível de setores econômicos para talvez incluir impactos negativos de alguns deles, mas isso deveria valer para todos. Setores como o de mineração não podem ser considerados verdes (nenhuma Taxonomia no mundo fez isso), ainda mais num país como o Brasil, onde aconteceram as duas maiores tragédias tanto ambientais quanto sociais do mundo no setor de mineração (Brumadinho, tragédia com maior número de mortes – 270, e Mariana, que produziu estrago com 600 km de extensão – maior tragédia ambiental).
Mineração é um setor com muitos riscos, com impactos inevitáveis e outros evitáveis, mas que também pode ter benefícios socioambientais, climáticos e econômicos positivos que precisam ser mensurados. Por isso, é importante adotar uma visão ampla; nem sempre é possível dizer a priori se um setor econômico é verde ou não, sendo necessário identificar indicadores relevantes e os parâmetros para, à luz dos dados de um empreendimento concreto, enquadrá-lo em um espectro do vermelho até o verde.
Outra crítica de Luciane ao Plano de Ação é o fato de que foi adotado o modelo binário, com uma única exceção (que copia o modelo da Colômbia para o setor agrícola, que tem vários estágios). Isso não faz sentido, pois todos os setores têm estágios no caminho da sustentabilidade e isso precisa ser considerado.
Outro tópico abordado durante a entrevista foram os próximos passos necessários para que a Taxonomia se torne uma política sustentável. Luciane lembra que o tema é tratado em lei na União Europeia, mas que diversos atos delegados da Comissão Europeia (Poder Executivo da UE) a regulamentaram. Todas as outras Taxonomias no mundo foram adotadas no âmbito do Poder Executivo (normalmente envolvendo reguladores financeiros e órgãos ambientais). Para ela, o fato de o tema constar em normas do Poder Executivo não significa que ele não terá estabilidade, mas seria interessante ter alguns princípios tratados por lei. Luciane escreveu, para o Deputado Zé Silva, o projeto de lei que está na Câmara dos Deputados [2.838/2022], baseado no estudo que a SIS lançou na COP 27 e que analisou os princípios das Taxonomias existentes até então, fazendo sugestões de princípios para uma Taxonomia brasileira. Além do PL da Câmara dos Deputados, existe outro que foi apresentado no Senado [5.209/2023].
O PL da Câmara já foi debatido em audiência pública, com a presença de várias associações e reguladores do mercado financeiro. Todos foram favoráveis à adoção de um modelo não binário. A Confederação Nacional das Indústrias também já se mostrou favorável em algumas ocasiões. Ou seja, todos, incluindo setor produtivo, entendem que a jornada da sustentabilidade tem estágios e Luciane diz não entender a justificativa para o posicionamento do governo.
O último tema da conversa foi como usar a Taxonomia Verde para incentivar o crescimento das atividades econômicas sustentáveis e desincentivar as que não são. Para Luciane, com uma Taxonomia Verde ampla e não binária, será possível dar mais visibilidade à composição dos portfólios das instituições financeiras, e teremos um sinal do quanto eles são resilientes às mudanças climáticas e à degradação da biodiversidade; isso será mostrado a todos os stakeholders que quiserem ver essa realidade.
Esses stakeholders são reguladores financeiros – sabemos que risco climático afeta a estabilidade financeira, então o Banco Central irá olhar para os portfólios de crédito e investimento das instituições que supervisiona, vendo quais estão melhor preparadas para lidar com esses riscos. Bancos que captam recursos no mercado de capitais poderão ser demandados por seus próprios investidores que têm títulos desses bancos em suas carteiras a terem uma estratégia mais resiliente. As próprias instituições financeiras, a partir do momento que medirem o risco com uma régua igual para todos, podem definir metas viáveis e com nível de ambição razoável para mudar o perfil de seu portfólio ao longo do tempo. As empresas, por fim, tendo a Taxonomia como referência, saberão o que se espera delas, podendo adotar estratégias que lhes garantam maior acesso a capital.
Outro uso importante da Taxonomia Verde, que leva Luciane a propor que o tema seja tratado em projeto de lei, é seu uso para fins de tributação, algo não feito por nenhum país ainda. Nem todas empresas se financiam por mercado de capitais, mas todas pagam tributos. É possível, sem impacto na arrecadação, tributar de forma mais pesada e eliminar subsídios a atividades poluentes e criar incentivos para atividades que trazem benefícios climáticos, sociais e ambientais. Esse seria um sinal importante, junto com a utilização da Taxonomia pelo setor financeiro, para empresas da economia real decidirem seus rumos, e a tributação pode ser um diferencial. O momento é oportuno, já que o Brasil está discutindo a regulamentação da emenda constitucional da reforma tributária.
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