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Na última quarta, 12 de fevereiro, a SIS e organizações parceiras (INESC, DIEESE e CONTAG) realizaram oficina online que reuniu mais de 50 pessoas. Na abertura, Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica da SIS, inicia realçando que esta oficina é promovida por 4 organizações que são membros do Comitê Consultivo da Taxonomia Sustentável Brasileira (SIS, INESC, DIEESE e CONTAG) e se insere no período de consulta pública aberta até o fim de março. Explicou que essa taxonomia é uma classificação que busca definir que atividades econômicas podem ser enquadradas como sustentáveis, para fins de uso do setor financeiro privado. Quando um banco ou um investidor quiser classificar atividades da sua carteira como sustentáveis, deverá enquadrar essas atividades conforme os critérios previstos na taxonomia. Do ponto de vista do setor econômico produtivo, é uma vantagem ser incluído na taxonomia, porque isso tende a dar mais acesso a recursos. Ressaltou também que a taxonomia brasileira tem um componente social e inclui objetivos de adaptação e mitigação das mudanças climáticas (que afetam mais duramente populações mais vulneráveis). Matias Cardomingo, do Ministério da Fazenda, ressaltou ser importante gerar incentivos privados, com maior oferta de capital para atividades que tenham alinhamento com a Taxonomia, ou mesmo alinhamento com incentivos públicos, pensando em financiamentos climáticos e incentivos tributários. Explicou que a classificação de atividades econômicas sustentáveis por regulações financeiras é um movimento global, abrangendo mais de 70 países, e que o Brasil está um pouco atrasado nesse tema, pois a primeira taxonomia latino-americana é de 2022. É um número semelhante ao de projetos do mercado de carbono, pelo qual as empresas, maiores emissoras de CO2, precisam incorporar esses custos das emissões em seus gastos. Para ele, é preciso integrar essas ações e evitar ao máximo o greenwashing. Cláudia Lins, da Confederação Nacional de Municípios, trouxe exemplos de ineficiência na resposta do Poder Público a desastres ambientais (como casos fatais de leptospirose nas enchentes do Rio Grande do Sul) e sublinhou a necessidade de que exista um sistema padronizado de dados sobre impactos climáticos. Citou que mais de 476 milhões de pessoas já foram afetadas por desastres no Brasil (Panorama dos desastres no Brasil: 2013 a 2023), mas as informações governamentais ainda são precárias. Sugeriu a leitura do estudo da CNM “programa federal para habitação social não consegue atender efetivamente população que perdeu moradia em contexto de desastres”. Por fim, Thaynah Gutierrez, da Rede por uma Adaptação Antirracista, que reúne mais de 50 organizações da sociedade civil, também reforçou a importância da producão de dados estatísticos confiáveis para subsidiar políticas de adaptação, de um financiamento climático focado em prevenção, e a necessidade que os Municípios possuem de ações de capacitação.
O primeiro painel abordou o tema Habitação e teve como mediador José Arnaldo Brito, da CONTAG, que destacou a importância de falar do déficit de habitação também no meio rural, pois é um povo que, como o povo das periferias, é historicamente deixado de lado. O expositor do painel, Rodrigo Iacovini, do Instituto Pólis, destacou que o instituto atua na luta pelo direito à cidade e à moradia adequada. Iacovini destacou que a habitação deve ser vista a partir de eixos de justiça socioambiental, territorial e racial. Ele apontou que a taxonomia se concentra em fluxos financeiros para empresas privadas que atuam na construção civil, mas deveria incluir também a produção social da moradia, incluindo a autogestão em associações de moradia. Rodrigo também destacou que 8% da população brasileira não tem acesso à moradia (6,2 milhões de domicílios), sendo que 66% desse total são negras ou pardas e 63% são chefiadas por mulheres. Ele destacou a importância de priorizar empreendimentos habitacionais com critérios afirmativos (de gênero, raça e deslocamento por desastres) e o incentivo ao uso sustentável de centros históricos de grandes cidades, que permanecem com muitos imóveis vazios quando poderiam ser revitalizados com moradias populares. Nelson Neiva, da Secretaria Nacional de Habitação, do Ministério das Cidades, em seu papel de debatedor, reforçou o desafio que é normatizar critérios na taxonomia para priorizar populações vulnerabilizadas, como indígenas e quilombolas, e lembrou que investimentos em habitação de interesse social normalmente trazem benefícios ambientais, com o deslocamento de populações de áreas de risco. Já Graça Xavier, da União Nacional de Moradia Popular, chamou a atenção para a especulação imobiliária e a necessidade de soluções habitacionais de qualidade para populações de baixa renda, principalmente diante do agravamento dos desastres climáticos. Ela reforçou que a moradia é um direito básico e essencial para o acesso a diversos outros direitos fundamentais. Camila Jordan, diretora executiva da Teto Brasil, foi convidada para apresentar brevemente a experiência da organização que trabalha com emergência habitacional. Ela afirmou que há diferenças entre o déficit habitacional clássico e o déficit que se apresenta após desastres climáticos. Segundo ela, considerando as 12 mil favelas que existem no Brasil, demoraríamos mais de 200 anos para urbanizar todas as favelas do país. Assim, propõe que se deveria priorizar os modelos de moradias resilientes, tipos de habitação que possam ser construídas em poucos dias, feitas com material resistente a umidade e a chuva. Luciane Moessa concluiu o painel enfatizando que o déficit habitacional tende a crescer com as mudanças climáticas, o que reforça a necessidade e a importância de abordar a habitação para populações vulneráveis na taxonomia. Nelson Neiva complementou que alguns programas habitacionais já priorizam mulheres chefes de família e populações vulneráveis, mas ainda há desafios na articulação local para execução de políticas públicas eficazes. Para ver a gravação desse painel no YouTube, clique aqui.
O segundo painel, que abordou a temática de Água e Esgoto, foi mediado por Luciane Moessa e teve como expositor Adauto Santos, da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES-DF) e como debatedores André Bezerra, professor titular do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará e Francisca Adalgisa da Silva, do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS). Adauto destacou que a Lei 14.026/2020, que define as diretrizes nacionais para o saneamento básico, tem um conceito de um universalização excludente que deixa 10% da população de fora do acesso a esgoto e ressaltou a importância de revisar o conceito de ruralidade no Plano Nacional de Saneamento Rural (PNSR), pois há áreas urbanas com características rurais que devem ser reconhecidas e tratadas adequadamente dentro do plano. Apontou que a inclusão desse conceito ampliado eleva a população atendida de 29 para 39 milhões de habitantes e também apontou inconsistências nos dados disponíveis sobre saneamento, pois os números do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) não consideram os sistemas alternativos de água e esgoto, mas somente a rede pública tradicional de esgoto. Mais da metade das populações sem acesso a serviços de saneamento estão no Norte e Nordeste. Por fim, destaca a importância da criação e implementação de novos modelos de prestação de serviço, que contem com participação popular e tarifas sociais, sendo que, no Brasil, há mais de 4 mil associações de moradores que prestam serviços de água e esgoto e os sistemas alternativos apresentam custo mais baixo do que os sistemas tradicionais. Veja aqui os slides usados por Adauto. André Bezerra (UFC) apontou as dificuldades na implementação dos planos municipais de saneamento. Afirmou que o saneamento reflete disparidades entre áreas urbanas e rurais e tem impacto direto na saúde coletiva. Ele citou o SISAR (Sistema Integrado de Saneamento Rural), do Ceará, como exemplo bem-sucedido de gestão autônoma e sustentável de saneamento e alertou para a necessidade de mudar a cultura sobre água e esgoto, pois muitos sistemas são ociosos devido à falta de interligação das residências. Exemplificou o impacto das mudanças climáticas no abastecimento, citando a seca vivida pelo Estado do Ceará, no segundo semestre de 2023, quando populações mais vulneráveis foram negligenciadas. Francisca Adalgisa da Silva (ONDAS) abordou as divergências nos dados sobre saneamento, destacando que alguns bancos de dados consideram apenas a rede convencional, enquanto o IBGE inclui também os sistemas alternativos. Ela chamou a atenção para um dado relevante: a percepção de acesso ao saneamento muitas vezes não corresponde à realidade, pois muitas pessoas acreditam estar atendidas quando, na verdade, não estão. Além disso, ressaltou a importância de incluir os sistemas alternativos na TSB e deu o exemplo de São Paulo, em que há mais de 50 comunidades atendidas com sistemas compactos de água e esgoto.
O terceiro painel tratou da temática da Destinação de Resíduos Sólidos Urbanos e foi mediado por Fábio Ishisaki, do Observatório do Clima. Ricardo Abussafy, do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, foi o expositor convidado e Eduardo Rocha Dias Santos, da Secretaria Nacional de Meio Ambiente Urbano, Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA) e Anderson da Silva Nassif, da Associação Nacional de Catadores, foram debatedores.Eduardo Rocha Dias Santos (MMA) iniciou a sua fala relembrando que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) existe desde 2010 e que, apesar disso, 40% dos Municípios ainda realizam destinação inadequada dos resíduos sólidos urbanos. Pequenos municípios costumam ter dificuldades financeiras para implementar soluções adequadas. Assim, é necessário modernizar e expandir as iniciativas existentes, como coleta seletiva e compostagem. Ele ainda alertou para o risco de investimentos excessivos em tecnologias avançadas, mas que não atendem às necessidades básicas do Brasil. Veja aqui os slides usados por Eduardo. Ricardo Abussafy (FBMC) destacou que 40% dos 80 milhões de toneladas de resíduos urbanos produzidos no Brasil em 2023 tiveram destinação inadequada. Abussafy enfatizou a importância da coleta seletiva, da valorização dos catadores e da inclusão desses trabalhadores em políticas de proteção social, especialmente diante dos impactos das mudanças climáticas. Além disso, defendeu a reciclagem como um produto e a limpeza urbana como um serviço de valor e destacou a importância de seguir a ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização e reciclagem de resíduos. Sublinhou, ainda, a importância de medidas como alertas de risco de desastres para a população que trabalha na rua, a ampliação de pontos de entrega voluntária e a exclusão de caminhões compactadores da Taxonomia por falta de eficiência comprovada. Veja aqui os slides usados por Ricardo. Anderson da Silva Nassif (Associação Nacional de Catadores) reforçou a importância da reciclagem e da inclusão dos catadores no processo de gestão de resíduos. Segundo ele, os catadores sofrem duplamente, perdem os espaços de trabalho e também perdem a sua residência, são pessoas que não são acolhidas por uma série de políticas, pois a questão climática ataca o catador em todas as esferas da vida. Afirmou que a inclusão de soluções alternativas na Taxonomia pode ampliar o acesso ao saneamento e aos serviços de resíduos sólidos e que a universalização dos serviços precisa considerar as populações vulneráveis. Para ver a gravação desse painel no YouTube, clique aqui.
O quarto painel, que tratou de Energia Elétrica, foi mediado por Cássio Carvalho (INESC). O expositor foi Roberto Kishinami, do Instituto Clima e Sociedade (iCS), e os debatedores Sérgio Ayrimoraes, Coordenador-Geral de Estudos Integrados do MME, e Eduardo Ávila, da RevoluSolar. Roberto Kishinami (iCS) alertou para o risco de um enfoque excessivamente técnico na Taxonomia, sugerindo que os impactos sociais e ambientais das energias renováveis sejam priorizados. Kishinami sugere que a Taxonomia deveria se preocupar com os impactos reais da produção de energias renováveis nas comunidades. Ele apontou que um erro de formulação na atual Taxonomia é a ideia de implementar usinas solares e eólicas em “áreas improdutivas”, pois a energia solar pode ser utilizada de maneira integrada, produzindo não apenas eletricidade, mas também contribuindo para a produção de alimentos, como em exemplos de “sistemas agrivoltaicos”, já usados na Índia. Ele também salientou a importância de usar cenários climáticos adequados no planejamento da transição energética. Sérgio Ayrimoraes (MME) mencionou o Plano Clima, plano que se insere no contexto da meta brasileira sob o Acordo de Paris e que traça estratégias de mitigação e adaptação, destacando a necessidade de diálogo intersetorial para atender grupos vulneráveis e garantir segurança energética. Ayrimoraes abordou a segurança energética e a instalação de paineis fotovoltaicos para irrigação em áreas com acesso precário à eletricidade, ressaltando o potencial da energia solar para a agricultura familiar. Por sua vez, Eduardo Ávila (RevoluSolar) defendeu a inclusão de indicadores sociais na Taxonomia, destacando que o impacto da energia na qualidade de vida deve ser prioridade. Ele apontou que, embora 99% da população tenha acesso à eletricidade, o alto custo ainda compromete até 40% da renda familiar de muitos brasileiros, de modo que é preciso incluir esse 1% e também tornar o preço da energia mais acessível, além de propor práticas sustentáveis, como a reutilização de módulos fotovoltaicos (paineis solares) e a instalação inteligente desses paineis, sem uso de glifosato e de maneiras que respeitem e beneficiem a comunidade. Para ver a gravação desse painel no YouTube, clique aqui.
O quinto e último painel, de Saúde e Segurança dos Trabalhadores, contou com a mediação de Renata Belzunces (DIEESE), exposição de Daniel Bitencourt, pesquisador na Fundacentro e coordenador do Programa de Mudança Climática e Segurança e Saúde no Trabalho, e debate com Marta Freitas, Engenheira de Segurança do Trabalho, e Elionara de Souza Ribeiro, do Sindicato dos Servidores Municipais de SP. Daniel Bitencourt (Fundacentro) destacou o impacto das mudanças climáticas, especialmente do aumento das temperaturas globais, sobre os trabalhadores — em particular os que atuam ao ar livre. Ele mencionou o aumento de ondas de calor, doenças transmitidas por mosquitos, poluição do ar, queimadas, maior exposição à radiação ultravioleta, e eventos extremos como ondas de frio e tempestades. Bitencourt destacou a crescente incidência do IBUTG (Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo) e o estresse térmico, que têm provocado perdas de produtividade de até 41%, sendo necessário adotar medidas protetivas e preventivas. Ele apresentou o monitor de IBUTG como uma ferramenta útil para planejar as atividades de trabalho de maneira a minimizar o risco de estresse térmico, e reforçou que, além das ferramentas de monitoramento, é urgente a implementação de políticas públicas que levem em conta a nova realidade climática e a vulnerabilidade de trabalhadores em setores como agricultura, construção e limpeza. Para ele, não se pode desvincular as questões climáticas da saúde e segurança do trabalhador, destacando a necessidade de integrar tais preocupações na elaboração da Taxonomia Sustentável Brasileira. Em relação a isso, Renata Belzunces (DIEESE) apontou a correlação entre o aumento da demanda por serviços essenciais e a melhoria das condições de trabalho e segurança, relembrando as greves climáticas de 2014, que pressionaram por mudanças nas condições de trabalho, como a criação de pontos de hidratação para os trabalhadores expostos ao calor. Veja aqui os slides usados por Daniel. Elionara de Souza Ribeiro criticou a fragilidade das políticas de saúde e segurança no trabalho e o impacto das mudanças climáticas, especialmente sobre os trabalhadores mais vulneráveis, como os rurais. Para ela, a saúde e a segurança dos trabalhadores precisam ser prioritárias, especialmente nas situações de trabalho precário e nos setores mais afetados pelas mudanças climáticas. Já Marta Freitas destacou o trabalho como um direito humano, contrapondo-se à desvalorização da saúde e segurança dos trabalhadores. Ela alertou que cerca de 70% da força de trabalho enfrenta os impactos das mudanças climáticas e denunciou condições precárias, como a falta de banheiros, água potável e pausas obrigatórias para regulação térmica. Concluiu que incluir esses temas na Taxonomia Sustentável Brasileira reforçaria a relação entre trabalho e dignidade. Em comentários finais do painel, Luciane Moessa e Elionara Ribeiro reforçaram a necessidade de incluir na Taxonomia os investimentos necessários para garantir um ambiente de trabalho saudável. Destacaram que, embora a carga horária e o salário não mudem, o fluxo de trabalho dos trabalhadores certamente será impactado pelas mudanças climáticas. Portanto, os empregadores devem arcar com os custos adicionais para promover um ambiente de trabalho mais seguro e digno, prevenindo acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Para ver a gravação desse painel no YouTube, clique aqui.